Nove-Nove estava voltando dos limites dos campos de milhetes, onde havia ido ver mais uma vez aquele desconhecido. Seu objeto proibido marcava exatamente 17h30 – a contagem estava prestes a começar. Chegou a tempo. Depois de se encaixar cuidadosamente na fila, tomou uma bronca de seu amigo Nove-Oito; mas antes disso, sem se dar conta, se deu ao cuidado de esconder o relógio que usava no pulso esquerdo. O juíz, mesmo notando que ele havia acabado de chegar para a contagem, nada disse. Após liberar os colhedores para suas casas, o juíz responsável pela contagem da fila a qual Curatt fazia parte se encaminhou para o local onde as carruagens os esperavam semanalmente para levá-los até o palácio central da Bastileza. Aquele seria o dia em que, além de repassar a contagem com os números atualizados que haviam feito dos comuns, os juízes se encontrariam com o primeiro general do Único para a contagem geral de servos e comuns.***
A contagem geral consistia basicamente no levantamento de perdas que haviam acontecido no decorrer de um semestre, fosse de servos ou comuns; isso incluía a exclusão de dados de pessoas do sistema do governo – mortas ou já inválidas pela idade ou condição de saúde, que já não eram mais produtivas. A partir disso, se fazia a seleção de novas pessoas para que ocupassem os cargos e, consequentemente, herdassem os respectivos números relacionados aos mesmos. Como dificilmente havia relocação de pessoas, a Bastileza adotava uma sistemática de recrutamento em orfanatos que ficavam aos extremos das URBs. Para os cargos de servos, recrutava-se órfãos de servos – apesar de serem poucos – e para os cargos de comuns, recrutava-se órfãos de comuns. Assim as hierarquias sociais não se desfaziam e perpetuavam-se ano após ano – como ocorria por mais de um século.
***
Após algumas horas dentro de uma das máquinas de ferro que os levaram aos palácios bastílicos, os juízes estavam numa sala ampla e bem iluminada, sentados ante uma mesa gigante de mármore branco que ocupava o centro da sala, a qual confortava cinquenta e um assentos – distribuídos vinte e cinco de cada lado e um na cabeceira. Toda a falange de juízes se ergueu de seus assentos quando uma mulher entrou na sala e ocupou o lugar na cabeceira da mesa. Não cumprimentou ninguém, apenas sentou-se e após falar num tom que pareceu ser mais uma exigência do que um pedido, um dos juízes tomou em mãos todos os dados e entregou a ela. Com objetividade, margeando a falta de interesse, ela assinou os documentos e entregou ao subordinado que encontrava-se mais próximo a ela e encerrou a assembleia.
– General Zero-Um? – chamou um dos juízes com uma voz nitidamente nervosa e em seguida pigarreou.
–Trigésimo-Sexto?!
– Tenho novidades!
A general gesticulou com a cabeça, fazendo o juíz entender que deveria acompanhá-la a outro cômodo do palácio. Entraram em uma sala tão branca quanto a que estavam anteriormente, só que menor. O juíz entregou uma pasta cheia de documentos e fotos a sua general e lhe avisou sobre os planos de Curatt – sobre cruzar os limites da vila dos colhedores.
– Então é ele mesmo? – perguntou ela, olhando a pasta cheia de papéis. – A propósito, pode me chamar pelo meu nome. Estamos a sós!
– Okay, Starlla! – concordou o juíz – Sim, é ele mesmo!
– Parece que a Dra Ravilla fez um excelente trabalho. Não é à toa que é conhecida até hoje – ressaltou a general.
– Só há um probleminha!
– E qual seria?
– O rapaz foi levado a acreditar que se ele ultrapassar os limites da vila, ele estará seguro – explicou Trigésimo-Sexto – e nós sabemos que se ele fizer isso, os outros juízes irão matá-lo. Não entendo porque ele mandou o colhedor fazer isso, mesmo sabendo dos riscos.
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PROJETO REMEDIUM
Science-FictionCuratt é um colhedor de milhetes em uma das colônias de seres humanos sobreviventes que situa-se no que ele acredita ser o último lugar habitado da Terra. Em um mundo pós apocalíptico, dentro de um novo modelo de sociedade - onde o Único tem o poder...