Minha nova casa

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Acordei com o sol batendo na cama e clareando todo o ambiente. As cortinas de um tecido transparente permitem a entrada de luz. Estou exausta e aos poucos abro os olhos e me espreguiço lentamente, demoro alguns segundos para me dar conta de que não reconheço o lugar, este quarto, essa cama, nada é familiar. As paredes são pintadas com uma camada fina de bege claro, do meu lado direito há um guarda-roupa branco, em uma modelagem antiga com algumas flores delicadas na porta, aparentemente, novo ou reformado, minhas malas estão em um canto perto da porta do banheiro. A cama que estou é de ferroe com a cabeceira estofada. No teto, tem um desenho bem delicado parecido com uma flor de lótus, provavelmente este quarto devia ser de alguma adolescente com uma personalidade bem singela.
Num sobressalto, fico sentada sobre a cama e me dou conta que não estava em casa, nem em minha cidade e muito menos em meu país, havia viajado o dia todo. O vôo foi tranqüilo sem nenhuma turbulência, por sorte, porém eu estava tão ansiosa em chegar que não consegui dormir nem por um minuto sequer, passei o tempo todo lendo ou ouvindo música e olha que a viagem foi longa. As borbulhas em meu estômago faziam-me lembrar dos meses incansáveis planejando essa viagem, do medo de saber se daria certo ou não. Eu tinha apenas a certeza de que tentaria e isso já basta para me deixar realizada.



La bela Madrid

Meu primeiro dia na Espanha. Corri até a janela para ter certeza de que não era sonho. Em meu quarto havia uma enorme janela que deixava a claridade entrar com intensidade. Debrucei-me sobre o parapeito para contemplar a bela paisagem do lugar. Um parque enorme rodeado de árvores ficava bem próximo. As folhas eram jogadas suavemente de um lado para o outro, no ritmo do vento e pousava lentamente no chão. Alguns galhos secos formavam a paisagem de outono que estava apenas começando.
Algumas pessoas andando por uma pista que atravessava todo parque, um casal jovem correndo, um senhor já de idade avançada com seus cabelos brancos lendo o jornal tranquilamente e olhando de vez em quando para duas crianças que corriam adoidadas atrás do seu cachorrinho, talvez estivesse recordando a sua infância, de como era bom a pouca idade quando tudo acabava em diversão e se aguardava uma vida toda pela frente. A cena faz-me lembrar de quando era apenas uma menina que gostava de brincar na casa da árvore com minha irmã mais nova, Babi, aliás, a única. Nossa diferença de idade deve ser quase a mesma dos garotos que correm no parque, quatro anos, não mais que isso.
Abro a janela e sinto um vento gelado de toque tão agradável que quase posso sentir seu gosto de liberdade e a sensação de que estou onde deveria estar.
Noto a estrutura dos prédios, tão diferente dos que estava habituada, desenhados e projetados com tanto zelo que chegam a exalar romantismo. Todos cuidadosamente erguidos com a mesma altura, não possuindo mais do que três andares, seguindo um padrão que remete a uma época de amores, com pequenas sacadas de grades escuras e finas, as bordas das janelas brancas com tons de rosa envelhecido chamam a atenção e combinam com a paisagem, como se tivesse saído diretamente de um retrato. É o bairro mais antigo de Madrid, porém todos esses prédios continuam bem conservados. Delicio-me só de imaginar quantas histórias passaram por essas ruas e prédios, tantos sonhos e paixões, tantos amores e dissabores. De repente a porta do quarto se abre e me desperta do transe. É Maya.

— Anna! Vamos logo! Quero sair, ver gente, fazer compras, comer algo inusitado. —Ela ainda está de pijama, mas maquiada e penteada. Pela empolgação, acho que ainda não se deu conta de que não estamos em uma viagem de férias. Estou nervosa com nossas vidas mudando completamente e ela sempre tranqüila.
— Sério que precisamos sair? Estava pensando em passarmos o dia vendo filme e comendo pipoca. Só a vista da janela já estava superando minhas expectativas.
Segurei meu riso ao ver sua cara de decepção, como quem diz "você me trouxe de tão longe para isso?"
— Estou brincando sua boba! Vamos tomar café e sair para conhecer o bairro.
— Ótimo! Fiz omeletes com torradas e queijo, seu prato preferido. Você precisa começar a se alimentar melhor. — Maya se preocupa tanto comigo, como se fosse minha mãe e eu adoro, é sempre bom ser mimada.

Minha melhor amiga se jogou de cabeça em mina louca aventura. Decidimos largar tudo e reinventar nosso futuro longe do Brasil, da família e amigos, longe de tudo que conhecíamos. Entramos juntas nessa e dispostas a enfrentar tudo que vier pela frente, sem medir esforços. Nosso objetivo realmente é viver um grandioso sonho.

Dou–me conta de que as coisas não precisam fazer sentido sempre. O tempo passa de maneira tão acelerada que não quase não consigo acompanhar o rumo de minha vida que almejei aos 15 anos (risos). Quantas paixões e namoricos, decepções e sorrisos. Já posso dirigir, atingi a maioridade, me formei na faculdade. E o que acontece agora? Precisava redescobrir meus valores, desafiar meus anseios, ter novos sonhos, desejos e amores. Decidi que queria conhecer o mundo, soltar minhas asas e reconstruir meu futuro, ter muitas histórias para contar aos meus filhos, ou quem sabe, netos.

Terminamos o café e saímos ao acaso. Passamos o dia divagando de um lado para outro, olhando encantadas, lojas, vielas, carros, pessoas que passavam por nós, quanto fascínio! Tudo é tão novo, conhecíamos apenas o Chile e a Argentina, ambos deslumbrantes em suas belezas singulares, mas nada comparado ao charme desse lugar. Almoçamos um prato típico da região e só retornamos ao apartamento quando o sol estava se pondo.
Desfiz as malas, organizei as poucas coisas que trouxe na bagagem por conta do tal peso máximo das malas. Uma injustiça a nós mulheres, devíamos ter direito de levar o dobro do peso, afinal, mulheres são mulheres.

Lembro-me da minha irmã me ajudando a fechar as malas. Enquanto ela pulava em cima, eu tentava de todas as maneiras fechar os zíperes. Isso nos rendeu um bom tempo de descontração.
Nossa! Como as horas passaram rápido. Só agora me lembrei de ligar o wi fi do celular, também pudera, com tantas novidades até esqueci de dar sinal de vida, devem estar todos aflitos á espera de notícias.
Como se esperava, o celular notifica loucamente as mensagens que não param de chagar, dezenas delas esperando por respostas. Resolvo mandar no grupo da família de forma breve, assim, poupo tempo e todos ficam mais calmos com a mensagem.

"Oi. Cheguei, estamos bem, o voo foi ótimo". — Minha mãe logo respondeu.

"Anna, que bom que já estão instaladas. O que está achando de tudo?"

"A cidade é linda, estou deslumbrada. Espero que venham logo, vocês precisam conhecer isso aqui."

"Ai meu Deus! Tem muitos espanhóis lindos por ai?" – Minha irmã respondeu e não perdeu tempo.

"Ahh...nossa. E como tem!!" — Respondi.

É bom dar assas a imaginação dela, mas na verdade não vi nenhum. Acho que estou tão fascinada com tudo que homens não são minha principal atração no momento. Ao contrário de Babi, no auge de seus 20 aninhos, sonha em encontrar o príncipe encantado. Eu já caí na real, o meu virou um sapo feioso faz tempo.

"Me leva praí? Por favoooooorrrrrr !" — Babi para não sair da rotina iniciou seu ritual dramático.

"Rsrsrsrsrsrs... Espera eu arrumar tudo por aqui e suas férias poderá vir."

"Tá lendo isso, mãe? Ela disse que posso ir."

"Estou sim, mas até lá conversamos. Filha, se cuide meu bem, não se esqueça de andar sempre com o celular e com os números de emergência e, por favor, não fale com estranhos."

Mãe sendo mãe. Um exagero que até me traz desconforto, mas posso entender sua preocupação e sentir seu amor através de suas palavras.

"Mãe, não se preocupe, vou me cuidar. Lembre sempre que te amo. Já estou morrendo de saudades de todos."

"Te amo minha pequena turrona. Seu pai está mandando um beijo e também disse para se cuidar e não sair sozinha a noite."

"Diga pra ele ficar tranqüilo, aqui é seguro. Qualquer coisa que acontecer aviso vocês. Além do mais, Maya vai estar sempre comigo."

"Boa sorte em seu novo emprego. Tire muitas fotos, queremos ver tudo."

"Obrigada, mãe. Com certeza irei tirar sim. Beijos."

AnnaOnde histórias criam vida. Descubra agora