Depois das mensagens, senti necessidade imediata de conseguir uma foto da família e colocá-la em um porta-retratos. Deixei-a sobre o criado mudo, ao lado da cama. Senti um aperto no peito em saber que estão tão longe, havia prometido a mim mesma que só faria isso quando a saudade começasse realmente a apertar no peito. Sempre estivemos muito próximos e me sentia bem protegida, agora bate essa sensação de fragilidade tão imensa. Mas faz parte, sei que com o passar dos dias, isso também vai passando, preciso me acostumar. Quando quero algo, quero e pronto, tenho fé que tudo vai correr bem, afinal estou preparada e tenho que acreditar nisso.
Finalmente tiro as últimas peças de dentro da mala, falta pouco para finalizar a organização. Na menor bagagem, só maquiagem e algumas roupas leves.
Que engraçado, não tenho lembrança desse envelope vermelho no meio das coisas, não me lembro de tê-lo colocado na mala. Ainda está lacrado, de quem poderia ser? Provavelmente minha mãe deve ter posto sem que eu percebesse!
Ao abri-lo, tenho uma bela surpresa ou susto, sei lá. É de Fernando, um ex-amigo, ex-namorado, ex-tudo. Uma amizade que acabou de forma desastrosa. Ele foi meu fiel escudeiro. Crescemos morando na mesma rua, sempre brincamos juntos. Andávamos de bicicleta, tomávamos muitos sorvetes e até brincávamos de bonecas juntos. Desde pequenos, conhecíamos um ao outro só pelo olhar. Depois na adolescência, íamos a festas, tomávamos algumas bebidas escondidos. Vivemos muitas histórias. Meus pais confiavam plenamente em Fernando, se estivesse com ele, estaria segura, era uma espécie de irmão mais velho.
Uma amizade bastante forte, posta à prova na festa de formatura do colegial quando ficamos bêbados e acabamos fazendo sexo na garagem de sua casa.
Depois daquele dia, nossa diversão era outra, bem mais adulta e maliciosa. Ultrapassamos o limite da amizade e do relacionamento íntimo e independente de nossa vontade, ambos os relacionamentos não se sustentaram. Não foi de todo mal essa precoce aventura, me sinto bem ao lembrar que perdi a virgindade com uma pessoa que eu confiava muito e que me conhecia tão bem.
"Querida Anna...
Queria me despedir, porém não imaginava como ou quais palavras poderia usar. Acredito que não queira falar comigo, pois não atende aos meus telefonemas e não responde minhas mensagens.
Faz bastante tempo que não ouço sua voz. Espero que encontre o que tanto procura e que consiga viver a vida da maneira mais bela que existe, quem sabe até encontrar um novo amor, alguém que a valorize da maneira que você mereça. A realidade a qual me encontro não é a que gostaria, pois infelizmente você deixou de ser parte dela. Já pedi mil desculpas e implorei por seu perdão, mas hoje eu sei que não importa a maneira que eu aja, sei que jamais poderei desfazer meus erros. Sofrerei a penitência de perder minha melhor amiga e meu verdadeiro amor.
Te amei profundamente e continuo amando. Aquela doce menina que um dia foi meu melhor sonho, hoje se transformara em um cruel pesadelo do qual não consigo acordar. Tenho que conviver com sua ausência, a falta do seu cheiro e dos seus abraços, a angústia de saber que a única pessoa que eu gostaria que estivesse aqui, agora está a milhares de quilômetros.
Quando soube da sua partida, o mundo desabou sobre mim, poderia até ser inútil, mas faria qualquer coisa para tentar impedi-la.
Não quero acreditar que jamais vou revê-la ou tocá-la, é o sentimento mais traiçoeiro que poderia sentir. Mas vou cumprir a última promessa que te fiz, ficarei longe. Por mais doloroso que seja, tentarei cumpri-la.
Por favor, não esqueça. Se der algo errado e decidir voltar, saiba que vou estar sempre te esperando.
Fernando Casagrande"
Cachorro!
Essa carta doeu minha alma, fez-me lembrar de nossa amizade sendo dissipada e despertou novamente uma sensação estranha dentro de mim. Um misto de raiva com memórias corrosivas. Já faz nove meses, a pior parte já passou, mas vira e mexe me martirizo com o arrependimento do descontrole daquela noite, se não tivesse bebido tanto. Muitas doses de álcool, hormônios e confiança demasiada.
Talvez nossa história tivesse sido diferente, quem sabe ainda seríamos amigos e cúmplices daquela loucura, mas agora não posso fazer nada para mudar o desfecho de nossa relação. No início seu sofrimento me trazia consolo, como se ele merecesse aquele castigo pelo que me fizera. Hoje, sinto indiferença, desejo realmente que ele desencane e encontre seu caminho. Com a experiência que tenho agora, ficou claro que confundimos tudo, existia amor sim, mas um amor entre grandes amigos e não entre homem e mulher. Prova disso foi ele ter levado aquela loira falsificada pra cama na noite de seu aniversário. Aquilo foi mais forte que minha capacidade para perdoá-lo. Toda a admiração que eu sentia por ele acabou no momento que traiu minha confiança. Esse é o mal do ser humano, depositar tanta expectativa em outra pessoa, mesmo sabendo que ela não irá corresponder e acabará te decepcionando algum dia. O fato de não conseguir perdoá-lo ainda me atormenta.
Bom, melhor deixar essa carta de lado e voltar à realidade. Preciso me concentrar no presente. Vou tomar um banho e dormir, amanhã terei que levantar cedo e encarar meu primeiro dia de trabalho aqui, tudo isso está me deixando muito nervosa e causando um frio na barriga.
O dia amanhece cinzento, com indícios de que vai chover, é difícil fazer uma previsão num país tão diferente, a paisagem está ainda mais linda. Essa imensidão coberta de nuvens carregadas se parecem com uma cena de um filme.
Apressei-me em comer alguma coisa, precisaria de um tempo para me arrumar, afinal é meu primeiro dia e preciso passar uma boa imagem, segundo o ditado "a primeira impressão é a que fica".
Visto minha calça jeans favorita com uma blusinha preta bem justa, que acompanha o formato do corpo, com um detalhe em renda nas costas e por cima, uso um blazer esverdeado, além de ser minha cor preferida, quero ficar discreta suficiente para passar despercebida pelos novos colegas. Aquela sensação estranha que você sente no primeiro dia na escola ou no primeiro dia da faculdade me aflige, estou me sentindo uma estranha no ninho, um ser completamente diferente num ambiente hostil.
Fiz um rabo de cavalo bem firme, sem deixar um fio fora do lugar, totalmente assimétrico, a não ser pela franja ligeiramente caída para a lateral. Estou adorado essa tonalidade castanha escura em meu cabelo. Passei uma espessa camada de rímel com um pouco de blush. Com a pele clara é preciso colocar cor para dar uma aparência mais saudável. Nos lábios, prefiro deixar ao natural, pois já tem um tom avermelhado, dou apenas uma esfregada como se estivesse misturando o batom para realçá-los. Meus olhos hoje estão mais azulados que o normal, eles costumam mudar um pouco sua tonalidade oscilando entre os tons azul e verde. Coloco um par de brincos compridos, dourados e o relógio que meu pai presenteou-me na formatura com 22 pequenos cristais, um para cada ano de idade. Meu pai sempre muito atencioso, adorava me surpreender, realmente amei o relógio, cada vez que o vejo lembro-me instantaneamente de seu rosto.
— Vamos Maya. Você não vai querer se atrasar em seu primeiro dia de trabalho não é? — Grito com ela. Pontualidade é meu forte e preciso sempre ficar apressando-a. Ela é um pouco "enrolada".
— Estou pronta Anna. Gostou?
—Está linda como sempre. Vamos! — Puxando-a pelo braço reparo que o vestido azul de manga longa que tínhamos comprado juntas lhe caiu como uma luva. Adoramos fazer compras juntas, assim sempre temos uma opinião sincera, além de nosso gosto ser muito parecido, isso acaba proporcionando um guarda-roupa em sociedade, usando a roupa uma da outra sem nenhum problema. Maya tem cabelos compridos extremamente lisos, quase loiro e olhos verdes, o que lhe dá um contraste e tanto.
D'angeles & Tarragón é uma das empresas de arquitetura mais conceituadas da Espanha. Maya e eu nos empenhamos muito para conseguir as vagas, uma espécie de estágio de pós-graduaução. Um programa da empresa na tentativa de trazer novas ideias para inovar, mesclando estilos de outros países. Como nossas notas sempre foram boas e cursávamos espanhol há uns cinco anos, aliás, fazíamos exatamente as mesmas coisas já havia uns dez anos, desde que nos conhecemos na escola. Foi quase inacreditável quando recebemos a ligação, comemoramos muito. Nossos pais nos deram uma grande festa de despedida, com direito a tudo, música boa, amigos e familiares. Tudo no salão de festa do hotel de meus pais, em Canela - RS.
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Anna
RomanceAnna é uma jovem recém formada que busca novos ares e uma mudança de vida, na tentativa de se livrar de velhos traumas amorosos, se muda para Madrid. Jovem, meiga e engraçada acaba conhecendo Andrés, misterioso, atraente e cheio de segredos. Um roma...