Capítulo Um

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That's when I'm gonna stand up
Take my people with me
Together we are going
To a brand new home
Far across the river
Can you hear freedom calling?
Calling me to answer
Gonna keep on keepin' on
I can feel it in my bones

É quando eu vou me levantar
Levar meu povo comigo
Juntos estamos indo
Para um novo lar
Lá do outro lado do rio
Você pode ouvir a liberdade chamando?
Me chamando para responder
Vou continuar continuando
Eu posso sentir nos meus ossos

Stand up- Cynthia Erivo
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Este é um sinal dos tempos, não se pode mudar o que aconteceu e nem apagar totalmente da memória. Já se passaram muitos anos, mas as lembranças continuam vivas na memória

Em Campo Novo, uma pequena cidade do interior, tudo parecia em paz, mas a verdade é que ninguém se preocupava com os problemas dos outros. Os grandes fazendeiros cultivavam suas plantações com mão de obra escrava, as mulheres cuidavam das casas e dos filhos e tudo funcionava perfeitamente bem, ou ao menos era o que parecia

Desde a criação das leis Eusébio de Queiróz, de 1850, que proibiu a entrada de africanos escravizados no Brasil, e a Lei do Ventre Livre, de 1871, que libertou todas as crianças nascidas de mães escravas a partir de então, vários escravos conseguiram a liberdade em Campo Novo, menos os escravos do Coronel Arellano. Em todo lugar sempre existe alguém que consegue o que quer mesmo se for contra a lei, nesta cidade esse alguém era Sebastião Arellano, descendente de espanhóis que vieram para o Brasil anos antes. Ele apenas libertou alguns escravos para fingir que cumpria a lei, mas ainda manteve parte dos que deveriam ser libertados, e mesmo em 1881 continua tendo muitos escravos

Obviamente muitos escravos tentaram fugir da fazenda Arellano, mas a maioria dos que tentaram haviam sido mortos pelos capangas do Coronel, isso deixou os outros com medo e por isso continuaram lá, sem esperança de fuga

Era uma noite fria de abril, um menino negro dormia na calçada de uma das ruas da cidade, tinha apenas onze anos e já havia passado por muita coisa

As poucas pessoas que passavam pela rua se desviavam dele, algumas até iam para o outro lado quando o viam deitado ali. Ninguém se importava, era o que qualquer um pensava ao ver a cena. Mas dois homens, um com 24 anos e o outro com 27, pararam ao ver o menino

Eles se entreolharam e compreenderam os pensamentos um do outro, então se abaixaram, o homem de olhos claros tentou acordar o garoto, que acordou assustado com o toque em seu braço, ele teria corrido para longe se algumas latas de lixo em volta dele não impedissem o caminho

Olhava assustado para os dois homens, estes estavam sujos, pois passaram o dia todo trabalhando na fazenda do Coronel Barossa

- Oi - disse o homem de olhos claros e cabelos escuros- precisa de ajuda?

O menino não respondeu e continuou olhando assustado

- Onde estão seus pais? - perguntou o de olhos castanhos e cabelos claros

Ele continuou calado, embora seus olhos tenham se enchido de lágrimas ao ouvir a pergunta

- Está com fome? - o homem de olhos verdes perguntou - acho que tenho algo aqui ainda

Procurou em sua bolsa até encontrar um pão, ao ver o alimento os olhos do garoto até brilharam, haviam se passado três dias sem que ele comesse nada

- Meu nome é Antônio - disse ao entregar o pão para as pequenas mãos do menino - tem alguma coisa aí para dar pro garoto, João?

- Vou olhar, mas acho que não - respondeu o outro, que começou a procurar alguma comida nas suas coisas - só essa maçã

O menino pegou a maçã com um pouco de receio e começou a comer, Antônio e João continuaram tentando fazer com que o menino dissesse algo para eles, todas as vezes sem sucesso

- Se você quiser pode vir pra nossa casa - Antônio disse quando o garoto terminou de comer - daqui a pouco é a hora do jantar e tenho certeza que minha mãe não se importaria se você fosse com a gente

O garoto hesitou

- Olha, deu pra perceber que você está com fome - disse João - e não faz bem passar a noite no frio, se você vier terá um lugar para dormir pelo menos por essa noite

- Vai vir? - Antônio perguntou um pouco apreensivo

O garoto assentiu e os dois homens sorriram gentis para ele

Eles passaram na frente do bar e seguiram até o fim da rua, as pessoas que viam a cena achavam aquilo estranho e encaravam descaradamente, afinal, não era comum ver dois homens brancos e pobres na companhia de um garoto negro

- Não dê atenção para eles garoto - Antônio disse em um sussurro - essa gente não se importa com ninguém além deles mesmos

Eles desceram outra rua e entraram na última casa antes do cruzamento, os dois homens estraram e o menino logo atrás, andando com passos lentos

- Que bom que vocês chegaram - disse uma mulher saindo de algum cômodo - demoraram bastante, o jantar está quase pronto e...

- Mãe - disse Antônio interrompendo a mulher - temos visita

-Quem?

Antônio se afasta para o lado e ela vê o garoto

- Antônio, de onde surgiu esse garoto? - perguntou atônita

- Encontramos ele na rua, Elizabeth - respondeu João - ele tá com fome

- E com frio - completou Antônio - e sem ter pra onde ir

- Ele pode ficar? - perguntou João - como você me deixou anos atrás

Elizabeth andou até o menino e se abaixou para ficar da altura dele, ela tentou encostar na bochecha dele, que se afastou rapidamente

- Tá tudo bem - disse ela com um sorriso simpático no rosto - não vamos te machucar, qual o seu nome?

- Ele não quis nos dizer - respondeu João - acho que é mudo

- Não é porque uma pessoa não quis falar com você que ela é muda, João - retrucou Antônio - ele pode ficar, mãe?

- Se ele quiser, pode - e se virando para o garoto perguntou - você quer ficar?

Ele assentiu

- Então acho melhor você tomar um banho primeiro - se levantou e olhou para os dois homens - João vai ajuda-lo, e Antônio, vem comigo pra cozinha

Eles obedeceram e meia hora depois Elizabeth estava no quarto em que guarda suas coisas de costura ajudando o menino a se vestir. Tudo estava certo até ela ajustar a manga do braço direito

- O que é isso? - perguntou enquanto levantava a manga da blusa para olhar algo que viu de relance

O garoto puxou o braço de volta e olhou assustado para ela, que novamente pegou o braço do menino, então ela viu, aquela marca que já vira tantas vezes, a letra "A" marcada com ferro em brasa no braço dos escravos, no braço de alguns escravos daquela região, no braço de todos os escravos do Coronel Arellano, o "A" de Arellano

Sinal dos TemposOnde histórias criam vida. Descubra agora