Lucy Hunter não deixava de encarar aquele papel perfumado e de letras elegantes. Naquele momento, relia pela quinta vez cada palavra escrita por aquela letra cuidadosa até o fim da folha.
Seus olhos rodeavam-se de lágrimas, sua boca, tão carnuda e delineada, entreabria-se a cada palavra dita naquele pedaço de papel.
Ela olhou o horizonte pela janela de sua varanda. Lucy tentava assemelhar o que tinha entendido, o que seu remetente deu a entender.
Paul Connolly, seu tão misterioso Paul Connolly, que a destroçava de dentro para fora naquele momento de pura angustia, era cruel com as palavras.
Não sabia o que fazer, não queria admitir os fatos, mas então sua boca traiçoeira moveu-se e a voz trêmula saiu em um sussurro quase mortificado.
— Indo embora...
Seu coração, já tão acelerado, começou a pulsar cada vez mais rápido. Não sabia que podia doer tanto. Os romances eloquentes dos quais sempre lia já não pareciam tão realistas, aquilo doía muito mais.
Seus olhos encaravam ao longe as árvores da propriedade Connolly, vizinha a sua, enquanto as ondas de seus cabelos castanhos balançavam contra o vento e pregavam-se na pele estranhamente úmida de seu pescoço.
No entanto, seus pensamentos corrosivos não duraram muito mais do que aquilo. O vento que soprava seu rosto parecia quase sussurrar no ouvido uma ideia peculiar.
Lucy esbugalhou os azuis de seus olhos e pôs os pés a moverem-se em direção à saída do quarto. Pouco se importava na camisola que vestia ou se seus cabelos estavam indecentemente soltos.
Tomou cuidado para que seus pais não lhe avistassem. Tinha consciência de que seria uma desonra saberem que sua filha estava com aqueles trajes que tanto lhe revelava o corpo. Não podia sequer mostrar os ombros, quem dirá o braço inteiro e parte do tornozelo. 1619 não era um ano bom para mulheres de sua idade.
A garota ouviu risadas vindas da sala de jantar, concluiu que estavam todos tomando café da manhã. Se direcionou pelo lado contrário, em direção ao estábulo de cavalos, mas tinham pessoas lá. Homens cuidavam dos animais. Lucy não teria a ajuda de um meio rápido se quisesse não ser notada, por isso, tratou de apressar o passo em direção a floresta enquanto segurava a carta que tanto tinha destruído seu coração.
Estava descalça, seus pés delicados faziam-na gemer a cada graveto ou pedra afiada que pisava. Preferiu não olhar, pois temia desmaiar ao ver seu próprio sangue espalhado entre o gramado verde das colinas.
Passou os pés por um riacho antes de encarar as gigantescas árvores da propriedade de Paul Connolly. Um arrepio percorreu sua espinha. Era o lugar mais rápido e o mais tenebroso também.
Lucy sabia que toda manhã ele costumava cuidar da maior árvore de seu estranho jardim, bem no centro de todas as outras que, a cada passo em direção ao centro, ficavam ainda maiores. Eram centenas, ou até mesmo mais do que isso.
A garota inspirou uma boa quantidade de oxigênio enquanto avançava rumo a quase escuridão, sentindo as folhas pregarem-se em seus pés e formarem uma espécie de barreira contra o chão.
As árvores eram bem tratadas, todas elas eram cuidadas pelos empregados de Connolly. Lucy nunca soube o porquê de tanto apresso ou porque ele mesmo cuidava pessoalmente de algumas. Era como se aquele lugar fosse um pedaço dele próprio.Ela segurou seu colar que ganhara de presente do seu amado. Dentro de um coração transparente havia uma semente.
"Se depender de mim ela jamais será plantada" foi o que ele disse. Era o que ele sempre dizia, vagamente, como todas as vezes que ela perguntara o motivo.
A semente era o seu amuleto, jamais tinha largado depois daquilo, acreditava piamente que possuía propriedades mágicas. Mas aquele colar a lembrou dele e de seu recente abandono. Seu coração aperta mais uma vez.
Lucy engole em seco e se enche de mais coragem ao atravessar aquelas arvores. Ela precisava, necessitava encontra-lo.
Seus paços ficavam mais contidos e depois de uma demorada caminhada pôde avistar aquela parte clara e brilhante. A luz do sol batia direto no centro aberto, um campo de flores e grama verdinha começou a acariciar seus pés machucados.Seus olhos cor do céu não demoraram muito parar avistar o homem encostado naquela árvore antiga.
Lucy soltou um suspiro de alívio, mas em seguida irritou-se em constatar que ele preferia despedir-se de um árvore à sua pessoa, a sua quase noiva que se sentia abandonada antes mesmo de ter chegado ao altar.
Continua...
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