Parte IV

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Os dentes de Connolly cravaram-se naquela parte sangrenta e macia. A sensação foi extraordinária, o gosto divino era ainda melhor do que  imaginava.

Sua consciência e sensatez não o possuía, apenas o instinto animal e devasso lhe tomava os sentidos. Ele estava embriagado com o sangue dela, Connolly só queria mais e mais e mais até a última gota.

Lucy não conseguiu evitar o grito quando aqueles dentes afiados cravaram-se na sua garganta. Foi doloroso, foi terrível. Não sabia que aquela sensação poderia ser tão devastadora.

Se arrependera terrivelmente por aquela ideia, percebia que por mais que Paul a amasse aquela sua versão tinha consciência própria e nem todo o amor do mundo poderia fazê-lo parar.

— Paul! — Gritou com toda força que tinha. Os braços dele rodeavam a cintura dela com força. Lucy se sentia sufocada, dividida entre a dor e a falta de ar que a deixava cada vez mais fraca.

Seus braços tentaram afastar o corpo de Connolly, mas ele era mais forte. Como uma sucuri ele a apertava mais em seus braços, como se aquele ato pudesse extrair mais daquele líquido precioso.

O som dos ossos quebrando-se lentamente fora agonizante, mas não mais terrível do que a dor que aquilo proporcionara para Lucy. Não tinha mais forças para tentar afasta-lo. Já não conseguia sustentar as pernas, a dor parecia cada vez mais distante quando tudo começou a ficar embaçado.

— Por favor... — Ela já não o afasta enquanto súplica. Seu corpo já não tem mais o controle de sua cabeça. Lucy não entendia o que estava acontecendo, fechou e abriu os olhos lentamente tentando afastar erroneamente o embaço. A sensação começava a ficar quase agradável, uma leveza assume as rédeas. Se sentia delirando. — ... Amor. E-eu estou fraca, é assim que tem que ser?

Mais uma pontada de dor. Os olhos perdem o foco, o horizonte já não é mais o horizonte que tanto admirava.

Ficava cinza, sem cor...  A vida ia a cada segundo que as tentativas de puxar oxigênio pelo nariz se tornavam mais e mais difíceis.

Quando as coisas pareciam acontecer em câmera lenta seu peito inspira pela última vez a última gota de oxigênio, a última expiração e enquanto uma lágrima solitária escapava pelo seu olho, Paul ainda sugava o restante do seu sangue.

Não se sentia saciado, mas não tinha mais nada o que sugar. Afastou seu rosto sombrio daquela pele que começava a esfriar. As mãos soltas, as pernas não sustentavam o próprio peso e só estava em pé por que ele a segurava pela cintura tristemente quebrada.

Paul Connolly recobrava a consciência tarde demais, aquela fera interior tinha feito o que desejara e ido embora.

A boca manchada pelo sangue de Lucy se escancara quando seus olhos, depois de piscarem dezenas de vezes, observam aqueles dois orifícios profundos repletos de sangue. Seus olhos perdidos voltam-se para o rosto dela e observam primeiramente os lábios pálidos entreabertos, as bochechas já não eram mais coradas, os olhos abertos olhavam para o nada.

Paul sentiu a visão embaçar-se lentamente. As lágrimas desciam por seus olhos como cachoeiras. Seus braços musculosos inclinaram o corpo de sua amada com delicadeza em direção ao chão. Não olhou mais para ela depois disso, estava quase estático enquanto encarava o céu azul encandear seus olhos encharcados.

— Por quê? — não esperava uma resposta e não a teve. Baixou o olhar em direção a uma parte a frente repleta de rosas vermelhas que ele mesmo havia plantado. Sente uma força terrível o arrastar para aquela direção e fazê-lo se ajoelhar diante daquele mar vermelho. Suas mãos destroem uma por uma. Não se importou com os espinhos que furavam suas mãos, de qualquer forma, voltavam ao normal depois de segundos.

Entretanto, Paul não esperava os segundos de autocura, continuou destruindo o restante daquelas rosas até que suas mãos, já manchadas e machucadas de sangue, caçavam aquela parte macia de terra até fazer um buraco profundo. Ele gritou, gritou, gritou até sentir que estava perdendo a voz, enquanto as lágrimas o deixavam quase cego e o buraco ficava ainda mais profundo.

Ele sabia que aquilo aconteceria. Culpou-se por não ter ido embora quando sentiu o cheiro do sangue nos pés machucados de Lucy, enquanto tentava se controlar com as mãos no rosto.

Paul Connolly se jogou no chão úmido daquela cova e olhou mais uma vez para o céu perguntando algo que ninguém responderia. Era o pior dos monstros, mais uma vez alguém morria pelo seu desejo insaciável pelo sangue humano e dessa vez tinha sido Lucy Hunter, bisneta de Amélie Hunter. Quando saiu daquele buraco ele encarou a árvore que cuidara naquela floresta.

— ... Eu não merecia o amor de vocês, não era digno. Nunca deveria ter voltado para essa cidade maldita. — Ele gritou mais uma vez quando já se jogava no chão para agarrar o corpo sem vida de Lucy Hunter. Sua boca beijava incansavelmente o cabelo dela. — Me perdoe, por favor. Me perdoe, me perdoem...

Ele olha mais uma vez para a árvore e em seguida para todas aquelas outras que mesmo sem tanta importância eram parte de sua floresta.

Paul já não tinha mais lágrimas nos olhos quando a levou cuidadosamente nos braços. Ela já não estava mais quente quando a descansou naquela terra úmida. Olhou uma última vez para aqueles olhos azuis cor de céu antes de fecha-los com suas mãos trêmulas.

— Onde quer que estiver, espero que me perdoe. Eu a amo, nunca amarei alguém como.... — Sua cabeça vagou em Amelia Hunter. Ele também a amou, mas não mais do que Lucy, Lucy que jazia nem tão longe de sua tia avó tinha algo mais. Ele arrancou o colocar do pescoço dela com raiva, quase como se fosse uma praga contagiante. — Pensei que você a protegeria.

Ele começou a jogar terra sob o corpo dela enquanto falava sozinho, mais uma vez sozinho.

— Você não deveria ter feito isso, eu não consigo controlar quando vejo muito sangue. Você deveria ter me deixado explicar que... Eu nunca consegui transformar ninguém.  — Ele olha mais uma vez para aquela árvore gigantesca enquanto engolia a seco e trincava os dentes com intensidade quando colocou a última parte de terra solta naquela cova malfeita.

Em seguida, fez um pequeno buraco no meio e retirou sem nenhuma dificuldade a semente daquele colar. A angustia o tirava por completo, sentiu vontade de quebrar ou jogar fora aquele pedaço agora vivo de semente.

Ele a plantou e em seguida mordeu o próprio pulso que agora jorrava uma boa quantidade de sangue que ele direcionou naquela parte de terra.

Paul se levantou derrotado, como se tivesse anos e anos mais velho durante aqueles poucos minutos e sentou no chão encostado a árvore que cuidava. Quando observou o pulso ele já estava cicatrizado.

— Maldita bruxa... Maldita maldição. — Quando o silêncio tomou toda aquela floresta um barulho o preencheu minutos depois. Aquela pequena semente crescia rapidamente, tomou forma, encorpou e em seguida ficou ainda maior do que a que ele estava encostado. Uma lágrima solitária atravessava sua bochecha pálida quando as flores lilases brochavam dela.

Prometeu, dessa vez, que jamais plantaria nenhuma árvore, que jamais viria a cidade ou viria a sua Floresta. Faria de tudo para não dar um fim a nenhuma vida, pois isso significaria voltar e plantar mais uma árvore

Mal sabia ele que aquela era sua maldição.

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Terminei minha genteee. Iai,  cês gostaram do conto? Não esqueça da estrelinha e muito obrigada pela leitura.

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