Parte 2

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Comecei com nossa banda, Os Gansos Selvagens. Você ouviria falar do nós em algum momento — se a banda ainda existisse, é claro. — Éramos todos amigos, então não faria mal dar uma "olhadinha" nos pensamentos deles.

O Greg, como falei antes, era o meu melhor amigo e o vocalista da banda. Não vou dar muitos detalhes aqui, basta dizer que ele era o exato oposto de mim. Acho que justamente por isso nos dávamos tão bem. Um balanceava o outro. Ele gostava de passar tempo comigo tanto quando eu com ele.

Tive uma surpresa um dia quando perguntei o que ele achava de uma garota da nossa sala. Acabei descobrindo que ele era gay. Nunca tinha me falado isso e eu nunca tinha percebido — sou uma porta para essas coisas. — Se ele tivesse me dito, não mudaria nada na nossa amizade. Mas os garotos na nossa idade podem ser bem cruéis. Então entendo a opção dele de manter segredo.

Jef era o baixista. Por traz das brincadeiras e do humor sarcástico, descobri que havia uma alma sensível e insegura. "Quem diria?" Também descobri que ele era apaixonado pela professora de Biologia. Tentei não julgar meu amigo, mas isso me rendeu boas risadas e algumas brincadeiras durante as aulas dela. Foi divertido ver ele todo sério tentando defender a importância de aprendermos sobre as briófitas.

Da Mel eu já falei antes, nossa baterista. Ficou claro que ela realmente gostava de mim depois disso aparecer várias vezes nos posts. Nos conhecíamos havia algum tempo e eu gostava muito dela, como amiga. Além de tocar bateria, era simpática e ria das minhas piadas. Mas também era melodramática com absolutamente tudo, e isso me enchia o saco. Eu também não achava ela bonita. Simples assim. Decidi ignorar o que descobri para não afetar nossa amizade.

Uma vez perguntei como estavam os pais dela. Por hábito mesmo, sem segundas intenções. Mas acabei descobrindo que a mãe dela estava enfrentando um problema grave de depressão. Tomando remédios fortes que a deixavam dopada boa parte do dia. Isso tinha feito a situação na casa dela piorar bastante. Foi a primeira vez que me senti mal em usar meu superpoder. Mas como disse, sou uma porta para algumas coisas. E ao invés de ajudar minha amiga, decidi que era hora de seguir adiante com o plano.

Só para deixar claro, nem sempre a coisa funcionava como eu queria. Os posts eram totalmente aleatórios. Às vezes os pensamentos das pessoas eram descritos, às vezes não. E às vezes eu só recebia uma foto banal do meu dia.

Uma vez tive uma discussão calorosa com o professor de filosofia. Achei que aquilo daria um post interessante, mas o pássaro discordou e postou uma foto minha atravessando a rua. "Daniel atravessou a rua no sinal vermelho." Fiquei na dúvida se era preguiça do perfil ou um tipo sádico de senso de humor.

O tiro também podia sair pela culatra. Quando mostrei meu boletim para minha mãe, aproveitei para perguntar se ela gostava da minha avó, mãe do meu pai. "Mas é claro meu filho, eu gosto muito da sua avó," ela disse. Os falsos elogios à mesa de jantar e às indiretas para o meu pai diziam o contrário. "Uma intriga familiar é sempre bem-vinda! Vamos ver o que você realmente pensa, mamãe."

Acabei não descobrindo nada sobre o assunto. O foco do post não foi a minha pergunta, mas meu boletim. Minha mãe me achava "disperso demais nos estudos" — ela evitou a palavra "burro" — e tinha sérias preocupações com meu futuro. Torcia para que a banda fosse só uma fase e que eu não quisesse seguir carreira de músico. "Obrigado pelo voto confiança, mãe. Eu também não diria que ser bibliotecária numa faculdade de procedência duvidosa é uma carreira de sucesso. Mas entendo o que você quer dizer, vou me esforçar mais para colar, começando pela prova de história."

Por falar nos meus pais, também descobri que meu pai estava flertando com uma mulher do trabalho. Não gostei de saber disso. Falar ou não com ele? Contar ou não para minha mãe? Esse era o tipo de dilema moral que eu definitivamente não queria naquele momento. Decidi me afastar deles para não me envolver nessas coisas.

Na escola, descobri que a professora Janice estava com problemas no casamento. As coisas haviam ficado sem graça e o marido havia sugerido um ménage. Ela ainda não tinha certeza se deveria aceitar, estava desconfiada. "Se eu fosse você também desconfiaria, professora Janice. Acho que seu marido só quer foder com outra mulher."

Também descobri que a professora de história estava tendo um caso com o professor de inglês. Ambos eram casados, mas não um com o outro. Lembrei do que ela pensou de mim quando perguntei sobre matéria da prova e tive uma simpática ideia de vingança. Mas não segui com ela, tinha coisas melhores para fazer.

No geral, os professores são as criaturas mais desinteressantes do reino animal — se você for professor, não leve para o lado pessoal, é apenas um fato da natureza. — Todos eles sofrem de um dos dois males: ou tem problemas no casamento ou estão insatisfeitos com o trabalho. Às vezes os dois. Então não vou me alongar aqui.

Sobre os alunos... posso dizer que essa foi sem dúvidas a melhor parte. Vivi o verdadeiro sonho adolescente. Descobri quem gostava de quem. Quem não gostava de quem. Quem era virgem e dizia que não era. Quem não era virgem e dizia que era. Quem tinha bebido muito na última festa junina e não tinha exatamente certeza se ainda era virgem. "É melhor você maneirar no quentão, Débora."

Um fato curioso é que a maioria de nós gosta muito de uma pessoa, mas mantém uma lista paralela de outras pessoas que beijaria. "Interessante, achava que era só comigo." Essa foi, de longe, a minha descoberta mais útil. Se eu estivesse no top 5 de alguém e o sentimento fosse recíproco, adivinhem só? Exato. Isso me rendeu uma temporada de romance intenso e descompromissado com cinco ou seis garotas. Uma delas era aquela que me achava malvestido. "Uma pitada de vingança para apimentar relação, sua patricinha mimada."

Eu poderia passar o resto da vida analisando as questões internas e mais profundas de cada um. Aquela história de que cada pessoa é uma ilha, sabe? Mas eu não estava interessado em nada disso na época. Então em resumo, adolescentes são um amontoado de desejos e inseguranças. Fim.

Tudo estava indo bem. Muito bem. Até dei um apelido para o perfil: Psicopássaro. Achei simpático na época. Mas assim como o casamento da professora Janice, as coisas perderam a graça depois de um tempo.

Alguma parte remota da minha consciência talvez tenha me dito para parar por ali. Mas eu devia estar concentrado comendo uma coxinha na hora, e acabei não ouvindo. Então decidi fazer o que todo mundo faz quando as coisas perdem a graça. Eu iria para o próximo nível. E neste caso não seria um ménage.

Apague Antes de VerOnde histórias criam vida. Descubra agora