Parte 3

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O nome dela era Bárbara. Se você é velho e não sabe do que eu estou falando, deixe-me refrescar sua memória. Todo mundo tem uma paixão no colégio. Não é a primeira pessoa da lista "pegaria". É "A" paixão. Tipo uma outra lista só com essa pessoa. Eu não faço ideia do que seja um amor platônico, mas deve ser isso. Fogo que arde sem se ver e aquela baboseira toda da aula de literatura.

E se você ainda não sabe do que estou falando, sinto informar, você é uma criatura sem coração que passou todo o tempo do colégio prestando atenção nas coisas errada. Tipo briófitas.

Eu era apaixonado por essa garota desde a quarta série. Apesar de não trocar muitas palavras de lá para cá, me senti assim desde que a conheci. As coisas que ela falava. O modo como andava. Como se vestia. O jeito que ela enrolava o cabelo com a ponta dos dedos quando estava feliz. Tudo nela me atraia. E não fique surpreso que um babaca como eu gostasse assim de alguém. Acredite, os babacas também amam. Ou algo próximo disso.

Desde que havia descoberto o perfil do pássaro, eu passei a evitar falar com ela. Não que eu falasse antes, mas eu estava especialmente cuidadoso para não receber um post indesejado. Para ser sincero, tive medo de descobrir que ela me achava um idiota ou pior, nem soubesse da minha existência. Por isso, cortei qualquer tipo de interação.

Mas não dava mais para postergar o que eu queria, afinal o ano não duraria para sempre. Comecei a pensar em como criar uma oportunidade para interagir com ela sem parecer um bobo — coisa que eu não me preocupava com as outras garotas. — Mas como dizem por aí, os deuses do colégio agem por formas misteriosas. Naquela mesma semana, a professora do último período precisou ir ao médico e o professor substituto faltou. Era minha chance.

Deixe um bando de alunos sem supervisão em uma sala de aula e eles vão naturalmente se sentar em cima das mesas e formar círculos para conversar. Adorava quando isso acontecia, tinha um certo ar de rebeldia e as melhores descobertas saíam dali. Eu só precisaria ter certeza de estar no mesmo círculo que ela e esperar. Quando o assunto finalmente surgisse — e ele sempre surgia —, faria a pergunta certa.

Eu não tinha planejado exatamente como seria, mas estava com um bom pressentimento, então resolvi deixar a coisa fluir. Falamos sobre o que sempre falávamos até que o assunto chegou aonde eu queria. Ela fez um comentário sobre dois alunos que estavam juntos a um tempo, mas não assumiam o namoro. Não perdi tempo e fui direto ao ponto. "E você Bárbara, com quem assumiria um namoro aqui na sala?" Não acreditei que realmente tinha dito aquilo de forma tão casual. Soou quase desinteressado. Ela olhou para mim em silêncio e me encarou por um tempo. Uma eternidade.

Eu não esperava que ela respondesse nada ali, é claro. Ela desviaria do assunto e à noite o perfil me revelaria sua verdadeira resposta. Já tinha até me programado para me fingir de morto o resto do dia na cama. "Não vou correr o risco daquele pássaro desequilibrado trocar isso aqui por uma foto minha chutando a quina da parede."

Mas este foi um daqueles casos em que o tiro saiu pela culatra. A resposta dela estragou meus planos. Na verdade, mais que isso, estragou minha vida. De todas as pessoas, eu não esperava que fosse o meu melhor amigo. "Com o Greg," ela disse. O choque foi tão grande que as palavras saíram da minha boca sem que eu mandasse. "Mas o Greg é gay."

O mundo inteiro ficou em silêncio. Aquilo foi suficiente para que eu percebesse a cagada que havia feito. Não daria para resolver tudo com um simples "Tô brincando." Essa frase tinha limites. Mas não precisei pensar em nenhuma outra resposta. O Greg deve ter sentido todos os olhares voltados para ele e disse com sua voz calma de sempre. "Do que você tá falando, Dani? Eu não sou gay."

Não tive coragem de olhar, mas ouvi ele se levantando e caminhando em minha direção. Achei que fosse me dar um empurrão, um soco ou talvez uma facada. Sim, uma facada teria sido de bom tamanho. Mas ele não fez nada disso. Passou por mim e foi até onde a Bárbara estava. Ele se sentou ao lado dela, levou a mão ao seu rosto e a beijou.

A sala vibrou, do jeito que só um bando de adolescentes sabe fazer. Eu fiquei paralisado. O sinal tocou anunciando o fim da aula e todo mundo saiu, me deixando sozinho com o casal apaixonado. Não sei dizer exatamente como foi o resto do meu dia, mas sei que fui para a casa sem entender o que havia acontecido.

Para minha tristeza, havia sim um post dedicado àquele momento. O único da noite. Quando li o texto, percebi o quão machucado meu amigo havia ficado. Foi a pior sensação da minha vida. Não conseguia fazer parar as lágrimas que escorriam pelo meu rosto. Apaguei o app do celular. "Chega de toda essa droga!"

As semanas seguintes foram péssimas. Greg parou de falar comigo. Nossa banda, para alegria da minha mãe, acabou. A garota por quem eu era apaixonado estava namorando meu ex-melhor amigo. A minha vida havia se tornado uma sucessão de eventos entediantes. E eu sequer tinha coragem de tentar resolver o problema que eu mesmo havia criado.

Com o tempo, me pegava pensando em como eu tinha sido burro o suficiente para acreditar em tudo o que eu via nos posts. Será que o Greg era realmente gay? "Ele está namorando a Bárbara, no fim das contas." Mas eu sabia que era verdade, ele só estava mantendo as aparências. E eu, tentando me convencer de que ele estava bem quando sabia que não estava.

A única pessoa que tornava minha vida menos insuportável era a Mel. Quando a banda acabou, o Jef ficou do lado do Greg e ela ficou do meu lado. Nós passávamos boa parte do dia conversando, e quando não estávamos juntos, trocávamos mensagens. Ela era minha única amiga naquele ponto. Eu não abri o jogo com ela sobre o perfil do pássaro, mas contei que estava arrependido do que tinha feito. O erro tinha sido meu. Ela não me culpou, e até me ajudou a bolar uma estratégia para me desculpar com o Greg. Mas infelizmente não tive tempo de pô-la em prática.

Um dia cheguei no colégio e encontrei a Mel chorando no fundo da sala. Quando perguntei o que tinha acontecido, recebi um olhar fulminante. Tinha raiva e mágoa e me fez entender que havia algo muito errado. "Não se preocupe comigo Dani," ela disse, "é só meu melodrama de sempre."

Ela nunca tinha falado daquela maneira. E não era o melodrama de sempre, disso eu tinha certeza. Insisti com as perguntas e a expressão dela tomou um tom de ironia. "Corta essa, Dani. Eu vi seu nome lá." Encolhi os ombros sem entender do que se tratava. Ela continuou. "Eu sei que você também segue ele."

"Ele quem? Mas do que você tá falando, Mel?" Ela não disse uma palavra, pegou o celular, digitou alguma coisa e me mostrou a tela. A imagem fez um calafrio percorrer minha espinha. Era ele. Era o perfil do pássaro de chapéu.

Não falei mais nada. Saí de lá e fui para casa o mais rápido que pude. Reinstalei o app e vi que ele já tinha 293 conexões. "Está vivo!" Passei o resto do dia olhando para a tela do celular esperando as atualizações do perfil. Em algum momento naquela noite, foram feitos vários posts de uma só vez. Olhei alguns deles e vi fotos minhas, da Mel e de mais algumas pessoas conhecidas. Ao terminar, o número de conexões já passava de 400. Ele estava se espalhando. E rápido. Como um maldito vírus, destruindo aos poucos a vida de seus hospedeiros. Eu havia sido o primeiro, mas estava longe de ser o último.

Isso aconteceu dois dias atrás, então não sei dizer o que vem agora. Talvez o perfil se espalhe pelo resto do mundo e isso traga uma nova era de honestidade e transparência para a raça humana. Mas minha opinião é outra. Nós prezamos pela verdade e queremos que os outros sejam sempre sinceros conosco, mas algumas coisas devem ser mantidas para nós mesmos. Eu acho que se esse perfil se espalhar, vamos ter um apocalipse. Quem diria que viria de uma rede social, hein? E que usaria um chapéu.

Você pode discordar de mim. Achar que o problema sou eu, afinal, eu tive todas as chances de ajudar meus amigos e minha família e escolhi ser um babaca que só pensa no próprio umbigo. Pode pensar que você faria diferente, faria a coisa certa. Mas a verdade é que não faria. Talvez diferente. Mas não a coisa certa. Por isso, repito o que disse no início: se você por acaso vir esse maldito pássaro, apague antes de ver.

O que eu descobri me fez perder amigos, minha banda e me distanciar de meus pais. Não sei o que a Mel descobriu, mas sei o que ela perdeu. Muito mais do que eu. Ontem, ao chegar do colégio, ela pegou um dos remédios de depressão da mãe e tomou todas as pílulas do frasco.

O que você está disposto a perder para saber o que os outros pensam?

Apague Antes de VerOnde histórias criam vida. Descubra agora