Oportunidades que a vida dá

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          Imagino que nós sempre pensamos em alguma oportunidade perdida. Às vezes penso como seria nossa vida, se tivéssemos à nossa disposição um "Livro de arrependimentos", com os mais variados tipos. Desde um mais corriqueiro, como não ter feito exercícios físicos hoje, ou algum mais significativo, como dizer ou não pro seu pai que você o amava, antes de vê-lo pela última vez. Penso que gostaria desse livro, mas também penso que não gostaria. Seria um peso extremo ter em minhas mãos cada arrependimento de uma vida, ainda que curta.

  Mas hoje gostaria de escrever sobre um arrependimento especificamente. Gostaria de falar sobre minha maior desilusão amorosa, até agora. Não por me fazer sofrer do modo que é esperado em uma história de amor, mas por eu não ter tido coragem de mostrar o que sentia, e só quando era tarde demais, eu pude explicar o que eu um dia senti.

   Eu estava indo embora e sabia que seria pra não voltar mais, e sentado ali pensei no que estava deixando pra trás.

   Rodoviárias e aeroportos sempre foram muito interessantes pra mim. É um local de chegadas e partidas, e por aquele piso passam diariamente pessoas de lugares completamente diferentes, com vidas, histórias e experiências das mais diversas. Cada um em seu infinito particular. E eu fazia parte disso. Já estive em muitos lugares, conheci muitas pessoas e absorvi um pouco de cada. Sou a soma dos lugares que estive, vidas que toquei, sons que escutei. E mesmo com tudo isso, eu só pensava em uma coisa. Só pensava em uma pessoa, mesmo já sendo tarde demais. E ser tarde demais é algo tão ruim. Pensar que o controle já esteve na sua mão, mas quando não está mais, você resolve que quer agir. É angustiante...

   Sentado ali pensei se valeria a pena ainda falar alguma coisa. Talvez não fosse mudar nada. Na verdade era quase certo de que não mudaria. Mas também, guardar pra mim com certeza não mudaria nada. E talvez eu nem quisesse a mudança. Talvez eu só quisesse parar de guardar somente pra mim. Queria me livrar dessa sensação inconclusiva no peito, que me fazia pensar que nunca chegaria a lugar algum. Ela tinha sido realmente uma das pessoas mais incríveis que já tinha visto, e eu simplesmente deixei passar esse encontro? Iria aguentar guardar isso sozinho, numa das gavetas empoeiradas do coração? Não, não. Eu tinha que falar.

   Peguei meu celular e mandei mensagens explicando o que sentia. Usei palavras e termos como "pessoa incrível", "Fui apaixonado", "Você é incrível, e de tão incrível é inacreditável", e coisas assim. Me abri como não me lembro de já ter me aberto antes, e talvez isso tenha sido impulsionado pela raiva do "tarde demais". Falei até sobre os poemas que escrevi, e que nunca havia mostrado. Poemas como:

"Uma da manhã é uma hora horrível pra se pensar.

Já te escrevi e reescrevi poemas que sei que não vou entregar.

Á uma eu me arrependo das minhas escolhas de vida.

Às duas, penso que me cobro demais.

Às três acho que sou uma mola encolhida.

Às quatro me sinto mais pra menos que pra mais.

Em nenhum momento você sai da minha cabeça.

Metade dela não te esquece, e a outra metade não quer que você me esqueça.

Às cinco penso que não pode acabar, esse encontro de outro mundo.

Às seis o Sol nasceu, e talvez só pra mim, tenha sido algo tão profundo."

Me lembrei da vez que a vi pela primeira vez. Pensei em como ela era linda. Fiz um desenho dela, em rabisco, e pensei que aquela obra de arte deveria ser  pintada em um quadro. Mas Deus me livre, de ter que entregar o quadro pro museu do Louvre. Nos esbarrávamos, conversávamos brevemente, e cada vez mais eu me apaixonava por aquele jeitinho encantador. Mas nunca passou de uma hipótese, uma viagem. Um lugarzinho escondido numa esquina do labirinto da minha mente. Daqueles que a gente visita às vezes, por querer ou não.

Eu sei que ela tem tanto dentro de si. Sentimentos, cores, flores, sons. Quando a vi pela primeira vez, a achei linda, mas depois que a conheci, a achei extraordinária. Ela acertava muita coisa, e nem percebeu. Usou de sua simplicidade, pra despertar algo tão complexo em mim, que não vai caber de escrever nesse texto.

À essa altura eu já estava no meu ônibus, e depois de tudo que foi dito, e triste por não ter a capacidade de voltar no tempo e reviver tantas coisas, pra fazer algo diferente, fiquei pensando sobre isso. Sobre a confusão que é a vida, e os encontros. Eu nunca acreditei na predestinação. Que existe alguém em algum lugar que é o meu par perfeito, ou que exista alguma força sobrenatural que esteja em atuação escrevendo o destino para que em algum momento, os pauzinhos sejam mexidos fazendo com que encontre essa pessoa. Eu imagino que exista por aí alguém que eu vá me casar, ter ou não filhos. Ou, tendo filhos ou não, ter também gatos, cachorros, ou outra coisa para substituir ou distrair esses pequenos seres humanos que saem de nós. Essa pessoa, ou esse "amor" pode estar na minha vida agora. Pode não estar ainda, mas entrará. Poderá estar numa festa, num ônibus ou avião. Eu não sei onde eu mesmo estarei daqui a alguns meses, como poderia saber onde essa outra pessoa, que eu nem sei se existe, estará? É claro, nós fazemos nossos planos. Tentamos controlar algo que está um pouco acima do controle, mas fazemos isso pra fingir que sabemos o que estamos fazendo. Imagino que isso faça parte de se tornar adulto. Perceber que o mundo é um lugar paradoxalmente bom e mau, e que seus pais não vão estar sempre lá pra te dar o remédio certo ou escolher as frutas certas pra levar para casa. Tomamos as rédeas, mesmo sabendo que a qualquer momento pode acontecer algo que não podemos controlar, e isso mudará tudo. Mas, hey. Tá tudo sob controle aqui, ok?

Ela surgiu quando eu não esperava, e isso pode ter atrapalhado eu me apresentar como eu gostaria. Apareceu quando eu não procurava, e durante tanto tempo eu procurei. Pensei tantas vezes que a garota que passou por mim no shopping, na rua ou no corredor da faculdade, poderia ser a "perfeita", como se isso existisse. Desisti de procurar, e então, quando estava tranquilo e expectativas de amor quase zeradas para este dia, aparece o universo e joga na minha vida um daqueles amores que mudam planos. Daqueles que fazem querer criar raízes na varanda, e não ir pra lugar nenhum, porque a felicidade está tão perto.

Sobre, ela, não há muito mais que poderia ser dito. Posso resumir dizendo que foi mais um, na lista de tudo que amei sozinho. Mas, como não havia muitas expectativas quanto a alguma mudança no rumo das coisas, foi tudo bem. Eu queria mesmo era poder compartilhar o que senti por tanto tempo. E também, penso eu que talvez eu amava imaginar o que poderia ter sido. Volto a falar disso futuramente.

 O universo me deu mais uma lição naquele dia. A vida é feita de escolhas, e consequências. E muitas vezes você vai querer voltar, por acreditar que escreveu mais uma página, naquele "livro dos arrependimentos". Mais uma vez, ele me mostrou que a vida é uma caixinha de surpresas, e nós não sabemos de nada sobre os rumos que a existência toma. Mas viver é isso. É seguir tentando errar menos, não voltar a pisar onde tropeçou. E cada esquina é uma surpresa. Cada apresentação do grande espetáculo que é viver, pode ter o rumo mudado de repente. Nossas falas estão ali, nossos papéis tem certa importância para nós, e os demais personagens. Mas é a real direção que decide os rumos da peça, e o roteiro poderá mudar a qualquer momento. Se for preciso, e quase sempre é, que pelo menos nós saibamos improvisar. 

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⏰ Última atualização: Aug 12, 2021 ⏰

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