Capítulo II

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 Giánnis acordou com batidas rápidas na porta. Levantou-se, estremunhado, e, assim que percebeu o que o acordara, correu e abriu a porta.

Lá fora, estava aquele azucrinante criado de nariz empinado, que o olhou de alto a baixo com um ar de nojo e avisou, na sua pronúncia afetada:

-Sua Magestade, o Imperador, continua indisposto e não vos pode receber, por isso sereis recebido por Sua Magestade, a Imperatriz, já que o assunto é da mais alta importância e deve ser tratado o mais depressa possível. Segui-me!

O caçador de recompensas assentiu com a cabeça e, sem falar, seguiu o outro, como já fizera de manhã, até outra antecâmara.

-Vou anunciar-vos a Sua Magestade, a Imperatriz, e a seguir podeis entrar. E não vos esqueceis que falais com a Imperatriz. Deveis ser educado!

Reprimindo a vontade de revirar os olhos infantilmente, assentiu e esperou até ouvir o seu nome pronunciado pelo servo do Imperador, altura em que entrou na sala do trono.

Aproximou-se dos tronos dourados, num dos quais estava sentada uma mulher de cabelos castanhos grisalhos e olhos da mesma cor, vestida ricamente, e fez uma vénia tosca. A Imperatriz não mexeu um músculo, mantendo sempre a expressão grave, e, assim que o nortenho terminou a desajeitada reverência, começou a falar.

-Peço-lhe desculpa pela demora na sua receção, mas como Héktor lhe deve ter dito, o Imperador encontra-se indisposto e não vos poderá receber. Como o assunto é extremamente urgente, serei eu a recebê-lo e a explicar-lhe em que consiste o trabalho para o qual o contratamos.

Durante a curta pausa no diálogo, ela observou a expressão de Giánnis, tentando descortinar o que lhe passava na cabeça, infrutiferamente.

-O trabalho que lhe é oferecido é o de matar a Dama dos Corvos e trazer o corpo dela para que se possa comprovar que o fez realmente. Como o assunto é da mais alta importância, o Imperador está disposto a oferecer dez mil e quinhentos drattos de renda anual e o título de conde de Agiou, com o direito de lucrar e dispor das terras, pagando, é claro, um quinto do lucro obtido com elas à Coroa, como manda a lei. Concorda?

-Com a vossa permissão, - contestou o homem - parece-me que a tença oferecida devia ser maior, doze mil, para não dizer mais. Afinal, a Dama dos Corvos é a mais poderosa feiticeira deste império e quem a matar, talvez um dos maiores heróis da história nacional.

A Imperatriz pareceu ficar aborrecida, mas respondeu com a mesma voz clara e firme que usara antes:

-Creio que aquilo que o Imperador estabeleceu é mais que justo, não se esqueça de que ainda terá quatro quintos de todo o lucro que as terras do condado de Agiou possam proporcionar.

-Peço-vos perdão, mas continuo a achar que doze mil drattos seria mais justo. Não pedirei mais que mil drattos por mês, mesmo que, na minha perspectiva, seja pouco para o perigoso trabalho que me pedistes para fazer.

A consorte ficou irritada e aumentou o tom de voz, mantendo-a, porém, firme, e avisou:

-Não se esqueça de que está a falar com a sua soberana.

Giánnis, porém, fazendo especial ênfase nas últimas palavras, replicou ousadamente:

-Não me esqueci disso, Vossa Magestade.

A monarca achou a resposta insolente e jurou a si própria que, se não precisasse desesperadamente dos serviços daquele homem, o mandava passar uns tempos nas masmorras do palácio. Porém, deu o braço a torcer, suspirando:

-Pedia doze mil drattos, não era? Pois então é isso que receberá anualmente. O Imperador não se oporá, com toda a certeza, tendo em conta o serviço que lhe irá prestar. Agora, pode retirar-se. Ah, e para qualquer necessidade que tenha durante a viagem, Héktor entregar-lhe-à uma bolsa com cerca de quinhentos drattos.

-Muito obrigada, Vossa Magestade - agradeceu o caçador de recompensas, fazendo outra vénia ainda pior que a primeira e seguindo Héktor para fora da sala, para outra câmara contígua à sala de audiências.

Quando lá chegaram, ele fechou a porta suavemente e deu uma risada afetada que espantou o nortenho, não só incomodado com aquele som exasperante como pela simples presença daquele homem.

Felizmente, ele não se riu por muito tempo, parecendo admirado ao perceber que Giánnis não tinha feito qualquer pergunta sobre o motivo daquela súbita gargalhada, por isso, decidiu explicar ele próprio:

-Se Sua Majestade, a Imperatriz, não estivesse tão necessitada do vosso serviço, ter-vos-ia posto, com toda a certeza, nas masmorras, por causa daquela afronta. Tivestes muita sorte!

-E vós iríeis adorar, não era? - retorquiu o caçador de recompensas, cada vez mais farto daquele mordomo e daquele castelo onde ninguém parecia fazer tenção de ser agradável. - E pode passar-me a tal bolsa de que Sua Magestade falou? É que quanto mais rápido sair, mais depressa acabo o trabalho.

Pondo a mão no bolso, o criado fez tilintar a bolsa de moedas, retirando-a de lá a seguir e abanando-a à frente de Giánnis, batendo as moedas umas contra as outras.

-Dai-me isso depressa, preciso de sair. - irritou-se o destinatário dos drattos, esforçando-se por não tirar ele próprio o saco das mãos do homem.

Passaram-se uns momentos e o nortenho, vendo que ele não lhe dava o saco e continuava com aquela cara de condescendência e gozo que tanto o irritava, agarrou na bolsa, arrancando-a violentamente das mãos do servo do Imperador, que ficou surpreendido, mas logo se recompôs e, dando meia volta, voltou a entrar no aposento onde estava a Imperatriz, como se nada fosse.

O outro, sem saber bem o que fazer, decidiu encontrar a entrada por si próprio, tentando seguir para o lado do palácio por onde sabia que tinha entrado.

Perdeu-se ao entrar por uma porta entreaberta que dava para um local escuro, cuja única luz era a do corredor. O local parecia não ver ninguém há séculos, devido às teias de aranha abundantes e à humidade que se via no teto.

As paredes estavam decoradas com tapeçarias que Giánnis reconheceu como sendo da mesma série daquelas que tinha visto na antecâmara da sala do trono, nessa manhã.

Uma delas representava o mesmo rei e a mesma dama vestida de azul, mas desta vez ela tinha uma coroa na cabeça. Outra, tinha também aquelas personagens, mas tinha um enorme buraco sobre onde deviam estar as mãos e o regaço da dama. A terceira e última representava uma floresta de onde saía a dama. Nesta última tapeçaria, havia uns cortes, como se uma espada tivesse trespassado a tapeçaria aleatoriamente.

Depois da vista de olhos que deu por ali, apenas por curiosidade, o caçador de recompensas saiu da salinha e continuou a procurar a saída, que em pouco tempo encontrou.

Saiu do palácio e, atravessando de novo a avenida que ia desde o castelo até à cidade, regressou à confusão de ruas e de pessoas que era aquele local.

A Dama dos CorvosOnde histórias criam vida. Descubra agora