O caçador de recompensas aproveitou o sol até que a sua última réstia de luz deixasse de iluminar a vinha e, quando isso aconteceu, parou a meio do caminho, prendeu o cavalo ao tronco de uma árvore meio morta e deitou-se ali. Em poucos minutos adormeceu, enrolado na grossa manta de lã que costumava trazer sobre a sela do cavalo e que não só a tornava mais confortável, como lhe possibilitava uma noite quentinha caso tivesse de dormir ao relento.
Tomou a precaução de guardar a bolsa das moedas dentro da camisa meio desabotoada, para que ninguém a visse, mas não estava preocupado, porque não passava pela cabeça de ninguém andar nas vinhas à noite.
Mesmo com toda a certeza que Giánnis julgava ter, a sua precaução acabou por ter razão, pois, ao acordar, a primeira coisa que viu foi um par de olhos verdes que o fixavam sem parar, tapando a luz do Sol que só naquele momento começava a nascer.
Atrapalhado e sem saber o que fazer ou dizer, o nortenho levantou-se o mais rapidamente que pôde, enquanto a criança à sua frente continuava a olhar para ele, sorrindo inocentemente
O rapazinho deu um passo em frente e sussurrou, tão baixo que o outro mal pôde ouvir, apontando para um ponto negro no céu:
-Tens um corvo a observar-te desde a madrugada.
O caçador de recompensas pôs a mão sobre a testa, tentando não olhar para o Sol e ver o sítio para onde o miúdo apontava. Realmente planava por ali algo escuro com a forma de um pássaro com as asas abertas.
Rodou a cara, desviando os olhos da ave e focando-os no miúdo, que continuava a olhar para o pássaro.
Era loiro, de olhos castanhos esverdeados e feições finas, corpo pequeno, devido à sua parca idade, e magro, mas não em demasia. O rapaz voltou o olhar novamente para o adulto e perguntou:
-Para onde vais?
Baixando-se para apanhar a manta deixada no chão da estrada de terra batida, Giánnis ignorou a pergunta do outro. Quanto menos falasse de si a um completo estranho, melhor. Sobretudo mais perto da floresta havia que ter cuidado. Ao fim de alguns segundos de um silêncio estranho, o rapaz recomeçou a falar:
-Vais para Synken?
-Não, não vou - disse, irritado, o caçador de recompensas, deixando a manta mal dobrada cair sobre a sela.
-Então para onde vais? - questionou outra vez a criança, com os braços atrás das costas e balançando sobre os pés.
Giánnis suspirou e, virando-se para Mesrur, montou-o rapidamente e, olhando de novo para o rapazinho no chão, perguntou-lhe:
-Para onde vais tu?
-Para Synken, por isso é que te estava a perguntar, para ver se me davas boleia.
O mais velho suspirou, enfadado, sem qualquer vontade de levar a criança, mas sabia que a sua consciência não o ia deixar dormir se a abandonasse ali. Percebendo que podia ajudar se, pelo menos, o deixasse na aldeia, o caçador de recompensas concordou, olhando-o de cima:
-Está bem. Consegues subir sozinho ou precisas de ajuda?
Sem responder, o rapaz começou a tentar subir sozinho para Mesrur, o que o irritou, levando o cavalo a dar uma patada e a andar para o lado uns poucos metros.
-Acho que precisas de ajuda - concluiu o outro, estendendo-lhe a mão. O mais novo aceitou e conseguiu montar o cavalo, sentando-se à frente do companheiro de viagem.
-Já agora, sou o Dínamo. - apresentou-se ele quando percebeu que ainda não tinha referido o seu nome.
Giánnis bufou outra vez. Não gostava de crianças, e se elas não se calassem, era ainda pior. Pensava seriamente em abandonar o miúdo ali mesmo quando ele, entusiasmado por andar a cavalo pela primeira vez, bateu com os calcanhares no dorso do animal, como Giánnis fazia para ele começar a trotar. Mesrur começou, obedientemente, a trotar , fazendo com que os seus cavaleiros, que ainda não estavam preparados, se desequilibrassem.
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A Dama dos Corvos
ФэнтезиA Dama dos Corvos é uma poderosa feiticeira, que há anos se esconde na floresta de Skípto. Uns dizem que ela é canibal, outros que rapta pessoas para alimentar os corvos, algumas que as leva apenas para ter o prazer de as matar, mas a verdade é que...