Capítulo Único

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     Deus, ela estava acabada

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     Deus, ela estava acabada. Mal conseguia respirar por entre as lágrimas que escorriam freneticamente de seus olhos, queimando a pele por onde passavam e tornando a dor de sua alma real. Quer dizer, sempre fora real, mas nunca pudera ser sentida em seu corpo. Agora, ela podia sentir os rasgos em seu coração se abrindo na carne e sabia que nenhum retalho jamais poderia fechá-los novamente.
     Ela não sabia o motivo exato de seu choro. Havia muita dor acumulada dentro de si para ser algo além de uma combinação de cortes que terminou em hemorragia. Tanta coisa em sua mente, tanta coisa em seu ser.
     Seu ser. Provavelmente uma das principais razões de tudo isso.
Ela não gostava de quem era. Não gostava de sua mente, de seus pensamentos, da maneira como demorava para responder perguntas simples. Não gostava de seu corpo, da maneira como não se parecia com as garotas que admirava mesmo usando as mesmas roupas. Não gostava da sua essência. Ela daria qualquer coisa para poder ser bonita como as garotas que via pela tela do celular, inteligente como suas amigas. Qualquer coisa lhe serviria. Qualquer coisa, menos ela.
     Ela só queria alguém. Alguém que pudesse segurar suas mãos, olhar em seus olhos e a ver como jamais veria a si mesma. Alguém que estivesse disposto a lhe dizer "você é o suficiente" até que ela mesma começasse a acreditar, alguém que estivesse disposto a fazer uma lista de suas coisas preferidas nela... só queira alguém, mas não tinha alguém.
     Não tinha ninguém.
     E a solidão... era demais para aguentar. Sabia que não conseguiria sozinha, pois é assim que a vida funciona. Desde quando uma única pessoa consegue mover montanhas? Desde nunca. E não é agora que isso iria mudar. Nem agora, nem nunca.
     Ela mexe desconfortavelmente nas unhas, os soluços pausando brevemente para que o ar adentrasse os pulmões em chamas. Levanta a cabeça e se olha no espelho, e percebe: tem alguém ali. Tem uma garota naquele espelho, olhando de volta para ela, os olhos tão tristes quanto os seus. Os olhos, seus.
     Ela não está sozinha.
     Primeiro, repele a ideia. Seria estúpido da sua parte falar sozinha, não seria? Não, ela se censura. Não estaria falando sozinha, e sim consigo mesma. E mesmo se estivesse, não haveria ninguém ali para julgá-la além de ela mesma e, Deus, estava exausta demais para isso. Exausta demais disso. Respira fundo, os olhos cravando nos da garota em sua frente.
     — Você está acabada, não está? Eu posso ver. Eu também estou. — outra vez, sua mente começa a atacar, os pensamentos mais rápidos que qualquer barreira que pudesse erguer.
Pare de ser besta. Você está louca. Vê se cresce.
     Ela luta para ignorar a dor, mordendo os lábios e voltando a focar na única coisa que quer — que precisa — fazer no momento: salvar a si mesma.
     — Sabe, já que nós duas estamos assim... acho que poderíamos nos ajudar. Já deveríamos ter começado a fazer isso há muito tempo, na verdade.
Você é idiota. O que você tem na cabeça?
Outra vez, ignora. A dor continua ali.
     — Nós duas sabemos que as vozes na nossa cabeça não são gentis. Nunca foram. Elas sempre nos colocaram para baixo, sempre fizeram com que nos sentíssemos como... um rato de esgoto. Deus, somos ruins em metáforas. — ela se permite soltar um pequeno sorriso, um botão de rosa solitário em meio aos espinhos. O ato não dura, mas pelo menos existiu.
Você é ruim em tudo que faz.
— Somos ruins em muitas coisas. A principal delas? Amor. O mais importante deles. O próprio.
Nem as vozes parecem ter um contra-argumento.
     Um suspiro lhe escapa, e seu olhar baixa para a colcha debaixo de seu corpo, porque não quer olhar para ele. Hesita por um momento, mas deixa sua mão esquerda tocar sua mão direita. É estranho ser tanto a mão que acolhe quanto a que é acolhida. É reconfortante e, de repente, ela não se sente tão sozinha assim.
     — Eu quero pedir perdão. Por todas as vezes em que eu te encarei naquele espelho e critiquei seu corpo, por todas as vezes em que você cometeu um erro e eu te retalhei até você não ter mais forças para tentar outra vez, por todas as vezes em que eu insinuei ou falei explicitamente que você é insuficiente. Eu nunca quis dizer nada daquilo.
Mais lágrimas escorrem por seu rosto, porém dessa vez não são de tristeza. Ela sequer sabe dizer do que são. Uma mistura de alívio com... algo a mais. Algo que não sabe nomear.
     — Você é o suficiente. Você é amada. Você merece ser amada. Você merece tudo e todas as coisas que já conquistou, e tudo que ainda vai conquistar. Você é linda por fora, cada centímetro do seu corpo foi esculpido da maneira como deveria ser, por favor, não esqueça disso. Você é mais linda ainda por dentro, seu coração sempre tão grande, sua alma sempre tão pura. Você é o suficiente. — ela repete entre soluços, se livrando de qualquer julgamento e censura que ainda restava e apertando seus braços ao redor de próprio corpo.
     O sentimento de antes cresce, e ela percebe o que é. Paz: ela finalmente está fazendo as pazes consigo mesma. Desistindo de lutar, porque algumas lutas nunca levarão à vitória. Perdão: ela finalmente está se perdoando e se desculpando por tudo que já fez consigo mesma durante os quinze últimos anos, tudo que já disse ou pensou. Amor: ela está finalmente percebendo que ela merece isso e se permitindo se amar como gostaria de ser amada. Ela está deixando o amor entrar.
     Não: ele sempre esteve aqui.

Contagem: 945 palavras

Ele sempre esteve aquiOnde histórias criam vida. Descubra agora