00 | prólogo

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Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac. Em algum lugar, em algum momento, o tempo está passando e o relógio está contando. Então, como se corresse uma maratona, o corpo da jovem transpira, os fios de cabelo grudam em sua testa e sua caixa torácica move-se rapidamente sobre o piso encardido. O suor e as lágrimas molham a superfície de cerâmica cinza-escuro, o odor do espaçoso cômodo impregna suas narinas e ela pressiona os pulsos contra as algemas que a prendem, falhando mais uma vez em se soltar da cadeira.

O ambiente é extremamente escuro, a ausência de janelas transparece o desejo de privacidade. O sangue desenha-se no chão, enquanto a garota pensa em gritar, mas lembra-se que a tática é desgastante e ineficaz — ela berra aos ventos desde que acordou. Não pode ter se passado mais do que 2 horas, é uma certeza. Na verdade, a contagem dos minutos é a única segurança que possui. A única exatidão em sua vida agora. Tudo sobre si mesma e a situação em que está parece ter desaparecido.

A menina não sabe o porquê de encontrar-se amarrada em um móvel, não reconhece o recinto, nem o motivo de todo seu corpo doer, de sangue escorrer do seu rosto e de suas roupas estarem pintadas com o líquido. Ela não sabe qual o próprio sobrenome, ou se tem algum. Órfã? Filha única? Os pais estão casados ou divorciados? Ao menos possui um nome? Um registro? Quem poderia querer sequestrá-la e torturá-la? Qual sua cidade natal? Nada vem em sua mente. É tudo um absoluto vazio.

Sons distantes de passos ecoam.

Apavorada, seus músculos tremem debaixo das vestimentas manchadas. Mesmo cara a cara com a desgraça eminente e com outra provável sessão de intimidação, prefere morrer a ser descoberta de tal maneira ridícula, chorando e debatendo-se. Sua esperança é respirar fundo e localizar-se nas sombras. Está ciente de que desconhece o local, mas só necessita analisar os detalhes e fazer o possível para esquecer o contexto problemático e focar-se em um objetivo. Contudo, não há muitas coisas a serem examinadas, a luz é inexistente e apenas um pequeno ponto vermelho pisca à sua frente, no canto do teto.

O barulho fica mais alto. Frases irritadas, palavrões e passos.

Talvez, se for capaz de parar de soluçar, consiga colocar o cérebro para funcionar realmente. Entretanto, a raiva e o pânico sobem do peito à garganta, infestando suas células e forçando-a continuamente a violentar a própria pele no material resistente da amarra. Seu pulso lateja, pedindo clemência das algemas de ferro. Frustrada e impaciente pela inutilidade, chorando pela dor pouco suportável, a morena geme aflita. O machucado não é grave o bastante, porém eficaz o suficiente para mantê-la no lugar, vira e mexe agonizando ao realizar um novo movimento, uma nova tentativa falha de escapar.

Os passos param.

Sem aviso prévio, uma luz branca invade o cômodo, dilatando suas pupilas e obrigando-a a fechar as pálpebras, impossibilitando-a de enxergar o que ocorre, oferecendo-lhe somente os outros sentidos para utilizar. São muitos, muitos sapatos chocando-se contra o piso, muitas pessoas. Seu olfato trabalha a fim de identificar o cheiro amadeirado que se aproxima de uma hora para outra, não achando nada nos arquivos de sua mente. A escuridão é atormentadora, mas passageira. No átimo que alguém toca sua face e ela busca abrir os olhos, mal observa o contorno da figura à frente e uma seringa penetra seu pescoço.

— Quem... — começa, perdendo a força em seguida. A quase pergunta paira no ar.

Remexe-se, fraca, não conseguindo nada mais do que dançar minimamente com a cadeira, lutando para avançar no outro. O machucado dói. A cabeça pesa. A bochecha é acariciada levemente, algo cobrindo a mão do indivíduo que a encara. Após poucos segundos, sua visão torna-se embaçada e, logo, preta como a noite. A garota fecha os olhos novamente, caindo em um sono profundo.

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