Virando gente grande

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Nunca me disseram o que esperar exatamente desse momento. Os filmes adolescentes mostram que a fase é incrível, que devemos aproveitar cada segundo que for pois logo logo nos tornaremos adultos cheios de responsabilidades. E, bem, o que eu acho disso? Não sei exatamente. Estou ocupada demais surtando de ansiedade. 

- Chloe, anda logo, você vai se atrasar! - minha mãe grita.

São 6:00 da manhã e preciso me arrumar pra ir à faculdade. Primeiro dia de aula, pra ser mais específica. Escolhi cursar psicologia, pois sempre tive um fascínio pela mente humana. Se fiz a escolha certa? Bom, digamos que não tenho como saber no momento. Mas espero que sim. 

Levanto da cama vagarosamente. Fala sério, quem foi que inventou que a aula deveria começar as 7:00 da manhã? 7:00 da manhã! Meu cérebro ainda nem está acordado a esse horário. Me arrasto em direção às cortinas do meu quarto e as abro por inteiro. Ainda está meio escuro lá fora. Que pecado! Ter que acordar antes do sol nascer direito deveria ser crime. Ando pra dentro do banheiro. Tudo o que preciso agora é de um bom banho quente antes de me arrumar pra ir à...faculdade. Okay, estou surtando de novo. Não pira, não pira, não pira. Preciso ligar pro Pedro, meu melhor amigo.

Antes de mais nada, deixe-me apresentar o Pedro. Somos amigos desde o ensino infantil, crescemos juntos, nossas mães já se conheciam antes mesmo da gente nascer, então meio que somos como irmãos um pro outro. O Pedro sempre me ajudou em todos os momentos difíceis da minha vida, e nos embaraçosos também, como daquela vez em que eu inventei de me apaixonar pelo bartender de uma festa do ensino médio que tinha namorada (eu não sabia disso e o cara muito menos fez questão de mencionar a existência da namorada até eu estar com a boca colada na dele e ela aparecer atrás da gente). Então, se tinha uma coisa que o Pedro sabia fazer era lidar com o meu próprio caos e me acalmar como nenhuma outra pessoa jamais conseguiu. Ligo pra ele, o celular toca duas vezes e ele logo atende.

- E aí, loirinha - ele diz - Animada pro primeiro dia de aula?

- Loirinha, é? - respondo 

- Ops, foi mal. Confundi com uma mina aqui - ele debocha.

- Hum, já na ativa tão cedo?

Ele ri.

- Tô só brincando, bobinha. Cê sabe que o Pedroca aqui tá sossegado esses tempos, né. Queria só ver tua reação mesmo. Mas, e aí, animada ou não pro primeiro dia de aula?

- Pedro Valadares? Sossegado? Okay, primeiro que essa palavra nem combina com o teu nome. E, sobre a faculdade, queria poder só voltar no tempo e ir pra escola mesmo, como a gente costumava, tipo... desde sempre, né.

- Ora, mas que isso. Tem que se animar, pô. Hoje é um dia especial. - ele fala com entusiasmo - Quer saber, só porque eu tô muito bonzinho hoje eu vou passar aí na tua casa e te levar na tua faculdade. 

- Eba! Obrigada, Pedroca. - digo a última palavra com deboche. Não sei porque diabos esse menino insisti em se chamar assim, como se esse nome fosse cair na boca do povo ou algo do tipo. Maluco. 

Vou pro banho um pouco mais tranquila, e até mesmo animada. Coloco uma playlist pra tocar e canto. Durante o banho, um filme passa pela minha cabeça. Tenho 19 anos, acabo de encerrar uma etapa da minha vida, a escola, e agora estou entrando em mais outra etapa, a faculdade. Na minha cabeça, as coisas não deveriam ser tão rápidas assim. É claro que o mundo não para pra nos esperar, mas eu só queria poder ter um pouco mais de tempo. Tempo pra respirar, pra pensar melhor, pra saber quem eu realmente sou. Isso faz algum sentido? 

Parece que foi ontem que eu e o Pedro íamos todos os dias pra escola juntos no carro da mãe dele, que eu deitava no ombro dele morrendo de sono no meio do caminho porque nunca fui uma pessoa matutina, que a gente passava o intervalo juntos falando de todas as besteiras possíveis e jogava vôlei depois das aulas de sexta à tarde. Eu ainda sei exatamente a sensação de me sentir protegida de todos os meninos babacas da escola que tentavam se aproximar de mim e eram barrados por Pedro. Não que ele fosse um exemplo ideal de comportamento masculino, mas ele sempre dizia que com a irmã dele ninguém mechia. E todo mundo obedecia. 

 Termino o banho depois de alguns minutos e me encaro no espelho. Meus cabelos escuros na altura da cintura estão completamente molhados, e sei que irá demorar um século até que eles sequem por completo. Sou alta, magra, tenho olhos castanhos extremamente claros e a pele levemente bronzeada. Vou para o quarto, abro o guarda-roupa e não penso muito no que vestir. Coloco uma mom jeans, uma blusa branca, cinto, tênis, procuro minha bolsa de costas e meu óculos de grau. 

Desembaraço o meu cabelo e desço as escadas correndo. Meus pais estão na cozinha preparando o café da manhã. Me sento na mesa e como o que vejo pela frente. São quase 07:00.  Digo pra minha mãe que vou de carona com o Pedro dessa vez, e ela me olha apreensiva. Ela sabe muito bem que o ponto forte dele não é chegar no horário. Minha irmã desce do quarto dela com o seu coelhinho na mão. Ela tem 7 anos e é uma versão de mim mais nova, a não ser pelos cabelos loiros - puxou à minha mãe. 

Não demora muito e o Pedro buzina na porta da minha casa. Atravesso a cozinha em direção à porta de entrada e lá está ele, de óculos escuros e mãos no volante do seu conversível (que por sinal está com a capota aberta, típico do Pedro). Ele tem os cabelos cor de terra, como se quisessem ser loiros, mas não são totalmente. Sua pele é clara, seus olhos são verdes. Seu corpo é atlético por ser viciado em esportes, o que o deixa mais atraente. Se fosse qualquer outra garota e não eu, que convivo com ele há tempo o suficiente pra ter sido vítima das bolinhas de chiclete que ele arremessava nas aulas de matemática na quarta série, provavelmente estaria interessada nele. Ou melhor, pelo "charme de badboy" que ele diz que tem. Mas, digamos que estou imune a esse charme. 

Entro no carro e o encaro na esperança que ele abaixe o volume do som. Ele finge que não entendeu e me ignora totalmente.

 Vai ser um longo dia. 

Diga o meu nomeOnde histórias criam vida. Descubra agora