Capítulo 11

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The Rolling Stones - Time is On My Side (música postada em homenagem ao baterista Charlie Watts, falecido em 24 de agosto de 2021, aos 80 anos de idade. Gratidão eterna, Charlie, pela música tão fundamental em nossas vida).

Gente, chegamos ao décimo primeiro capítulo, e aqui temos o primeiro ponto de virada da história! É quando a vida real bate na bunda e não sabemos muito bem o que fazer ou como agir. É quando um casamento pode afundar ou florescer de vez. Qual será o caminho escolhido pelos nossos protagonistas?

Danna

Eu conheci os pais do Enrique num jantar meio formal, e eles foram muito polidos comigo. Ele jurou que eles me adoraram, mas saí com sérias dúvidas. Percebi os olhares da mãe dele, e a impressão que tive é que ela estava forçando a situação. E não costumo me enganar em relação às pessoas. Talvez eu não estivesse à altura de suas expectativas. Talvez eu fosse mais escurinha do que eles sonhavam para o filho. Ou talvez fosse pobre demais pra eles (como se eles fossem cheios da grana). Mas não houve conflito, nada disso. Era uma convivência até possível, mas sem muita intimidade, isso seria o ideal na minha cabeça. Meus pais são bem loucos, mas muito transparentes, eles não disfarçam, não fingem e não mentem. Lá em casa sempre foi uma gritaria, com objetos voando pra lá e pra cá, quem vê de fora pensa que é a terceira guerra mundial. Mas não. É só a gente discutindo mesmo.

Mas minha relação com o Enrique tinha ganho novas cores depois do meu sumiço. Ficou mais forte, o sexo mais quente, e tínhamos necessidade de estar juntos o máximo possível. E não conseguíamos nos segurar. Se íamos numa festa, fazíamos no banheiro ou em algum local onde pudéssemos nos esconder, e assim seguia a vida. Gostávamos dessa coisa do perigo do flagra. Que aconteceu, afinal. Aconteceu no nosso hotelzinho particular, ou seja, a casa da Liz. Ela cedia a casa de vez em quando, mas, numa certa noite, ainda antes do casamento, ficamos mais tempo que o normal e ela entrou em casa e nos pegou com as bocas nas botijas. Estávamos no meio de um 69 tão excitante que não ouvimos ela entrar. O mais estranho foi que ela se colocou diante de nós e quando reparei, a flagrei olhando diretamente no pau do Enrique. Eu parei o que tava fazendo...

— Liz?

Ela ficou muda, virou as costas e foi para o quarto dela. Nos vestimos e fomos embora sem dizer nada. Foi bem constrangedor e acabou que não a procurei nos outros dias, nem ela. Estávamos nos evitando. Não deveríamos ter ficado até tão tarde, o combinado era liberar o apartamento sempre até uma da madrugada, mas naquela noite avançamos até às duas. Foi quando ela viu o que não deveria. Mas senti que ela gostou do que viu. Fiquei puta com ela. Fato é que ainda naquele ano, em novembro, acabamos casando numa cerimônia simples, sem exageros de convidados, com uma festa também restrita em uma associação de funcionários, de onde Enrique trabalhava, pois não tínhamos grana pra nada além daquilo tudo. Optamos por guardar um pouco para viajar e fazer uma lua de mel mais caprichada.

Não deu nada certo. Íamos para o Rio de Janeiro, resolvemos ir de carro, o carro quebrou quase na divisa entre São Paulo e Rio. Mais de seis horas esperando os heróis do seguro nos socorrerem. Ficamos num hotel poeirento de beira de estrada — onde obviamente fizemos mais um sexo de tremer a cama — e no outro dia retomamos viagem. Por sorte, nada mais sério. Chegando no Rio, descendo para o hotel reservado, fomos assaltados. Era um arrastão e levaram minha bolsa e o Enrique, que foi arrastado junto até cair no chão. Entramos no hotel de qualquer forma, sem documentos, e os funcionários foram muito legais conosco, entenderam a situação. Conseguimos dormir por lá. Não, naquela noite não rolou sexo. Clima zero pra isso. A cereja do bolo foi quando ele comentou comigo, na manhã seguinte:

— Amor, hoje tem jogo no Maracanã, vamos ver?

Eu fiquei tão chocada que sequer respondi. Só mandei tomar no cu mentalmente.

— Amor?

Ele entendeu o meu olhar apertado. Isso é algo que sempre admirei nele, a perspicácia na leitura de minhas expressões faciais.

Então, se você esperava um relato lindamente romântico de nossa incrível lua de mel, lamento informar, mas... perdeu, playboy. No entanto, também não foi de todo ruim, conhecemos alguns pontos turísticos e passeamos bastante pela Cidade que é realmente Maravilhosa. Vai por mim, não morra sem conhecer a cidade, pois ela é incrível. Até caímos no samba em um bar na Lapa numa noite qualquer. Estávamos meio assustados por causa do arrastão, mas arranjamos alguns amigos por lá e saímos normalmente. Foi um pequeno azar, mas muita coisa boa aconteceu depois. Claro que ficar sem lenço nem documento não ajudava muito, mas nossos pais depositaram dinheiro em nossas contas e fomos até as agências para conseguir o resgate e sobreviver por lá. Foi mais complicado do que estou narrando e no fim acabamos discutindo algumas vezes, ainda mais que o Enrique mostrou-se uma pessoa pouco prática. Na hora do desespero eu é que tinha que manter a racionalidade. E desde quando eu sou racional?? Enfim, entre mortos e feridos, saímos quase ilesos. Os bons amigos feitos por lá nos salvaram e até pagaram nossas passagens de volta, para depositarmos depois, quando estivéssemos em Curitiba. Relembrando hoje, foi até divertido. Uma aventura digna de dois caipiras tentando sobreviver na selva carioca. Quase morremos de calor, quase morremos de medo, mas quase morremos de alegria ao ver a cidade toda lá do topo, no Cristo Redentor, ou no morro da Urca, outro lugar maravilhoso. Fica a dica: vão ao Rio!

Na volta, tivemos que lidar com algo que ainda não tínhamos sequer pensado direito: a nossa casa. Meus pais até sugeriram que morássemos com eles até alugarmos algo. Casa própria? Fora de cogitação. Mas Enrique era meio resistente à ideia de morar com os sogros, e sempre dizia que a privacidade vinha antes.

— Ok, você dá conta de alugar alguma coisa? Teu salário dá, realmente? — perguntei.

— Sim, eu posso fazer uns bicos extras também, e saindo da casa dos velhos me sobra mais um pouco porque eu ajudo eles nas despesas, né? Não morando lá, não preciso ajudar nisso e a gente pode se planejar.

— Ok, eu sinto que estou em falta com você. Vou arranjar alguma coisa, faz tempo que ando querendo minha independência mesmo...

— Não, meu amor, eu dou um jeito, não precisa...

— Não precisa o teu rabo. Claro que precisa. Acha que vou passar a vida dependendo de homem? Nananinanão! Precisamos nos unir sim, e cada um deve ter sua liberdade e o seu dinheirinho. Pelo menos algum estágio eu vou fazer, se não conseguir um trabalho fixo, e vamos nos virando. — Eu sorri pra ele com sinceridade, planejando mentalmente um futuro bem legal. Na verdade eu estava bastante empolgada com a ideia de casamento naquele momento. A resistência inicial foi pelo susto, mas eu já não conseguia ficar muito tempo longe dele mesmo, então nossa união foi bastante natural.

É verdade que não tínhamos reservas financeiras, e que não poderíamos alugar nada muito extraordinário. Procuramos uma casa mobiliada, mas o aluguel fugia das nossas possibilidades. Então, acabamos encontrando algo bem em conta no bairro Fazendinha, um apartamento pequeno, ideal para duas pessoas, com dois quartos (já pensando num futuro filho, né?), uma sala OK, uma cozinha suficiente, com uma área de serviço minúscula. Não tínhamos muito mobiliário, mas havíamos ganhado algumas coisas no casamento, para cozinha e quarto. Não estaríamos saindo do zero absoluto. E fomos à caça. Nada que o bom e velho crediário não resolvesse. Meus pais resolveram ajudar, e juntando forças com meu tio e minha tia (meu tio é irmão da minha mãe), nos deram um guarda-roupas e a entrada em uma geladeira. Pronto, o básico do básico nós tínhamos. Curiosamente os pais do Enrique, que segundo ele gostavam tanto de mim, não contribuíram com nada, o que me deixou bem chateada. Não é todo dia que casamos, né? Eu não queria começar um casamento discutindo essas coisas. Podíamos nos virar sozinhos, afinal, mas vendo a movimentação da minha família, achava até injusto eles fingirem que não estava acontecendo nada. O único filho deles casando, e nenhuma participação naquilo?

Então, a bomba... Dois meses após o casamento, ou seja, em janeiro de 2004, Enrique foi demitido.

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