Enquanto Tanaka Kiyoko se preparava para o que parecia ser a revelação de um segredo de Estado, Ryuunosuke levava as crianças para fora da cozinha.
— Deixa eu ver, por onde eu começo? O que você sabe sobre o Tsukishima atualmente, Yamaguchi?
— Graduação em literatura. Personalidade ainda horrorosa. E tem 26 anos com rostinho de 19, desgraçado!
— Certo...
— Tem... algumas coisas que percebi hoje quando passei na casa dele, mas prefiro que vocês me expliquem.
— Pois bem. Tsukishima se casou há uns três ou quatro anos com uma veterinária aqui da região. Ryuu, consegue lembrar o nome dela? — Tanaka-san já está de volta à cozinha quando ela pergunta isso.
— Mabuchi Rei, eu acho.
Fala sério, até os nomes deles combinam?
— Acredito que com menos de um ano de casados, eles tiveram um filho, deram o nome de Haruki. Um garotinho lindo, com muito do Tsukishima, principalmente os olhos.
Para mim, esse foi um daqueles momentos que você precisa apertar o botão de pause do controle, quebrar a quarta parede ou simplesmente questionar tudo o que você achava que sabia na vida.
— Kiyoko-san, está me dizendo que o Tsukki tem um filho?! — tenho certeza que pareço tão surpreso quanto me sinto.
— Não. Ele tinha. — quem responde essa é Tanaka-san.
— N-Não entendi... Como assim ele "tinha"?
— A história não saiu das fronteiras de Miyagi, até porquê é bem recente. — Kiyoko-san diz — Mas todos na região ficaram sabendo da tragédia com o filho dos, até então, Mabuchi.
— Bem no finalzinho de agosto, durante o festival de hanabi, Tsukishima e sua esposa perderam o filho em um acidente de carro. — Tanaka-san continua — Ao que parece, a criança estava brincando com uma bola ou algo do tipo, mas deixou que caísse na rua no instante em que passavam alguns carros em alta velocidade...
Não sei se sou eu ou eles quem não têm estômago para continuar a história, mas um silêncio ainda mais intenso volta a tomar a cozinha.
Minha cabeça foi tão surrada de informações que nem consigo pensar em palavras para formular uma resposta.
— Estávamos lá. — Kiyoko-san quebra o silêncio de repente — Eu e Ryuu estávamos passeando com as crianças por perto quando aconteceu.
— Vimos a ambulância chegando para levar o corpo do garotinho embora. — ele está quase chorando — Tsukishima estava absurdamente desesperado e não conseguia parar de gritar. Chegou ao ponto de terem que seda-lo com tranquilizantes.
— Os médicos tentaram de tudo, mas o filho deles não sobreviveu nem uma noite.
— Pouco tempo depois, os dois se separaram. O divórcio saiu mês passado. O próprio irmão de Tsukishima quem efetuou.
De uma hora pra outra Akitero era advogado e Tsukishima divorciado. Seria ótimo se não fosse péssimo. Parece que nem estou em Miyagi mas sim numa realidade paralela. Como eu não soube disso?
— Então ele não estava se mudando para aquela casa, estava saindo dela!
— Ele está se mudando? — a informação parece ser nova — Bem, faz sentido. Já que não estão mais juntos.
Depois da bomba de realidade jogada em cima de mim eles foram educados e me convidaram para o jantar, mas todos sabíamos que eu não estava com apetite para nada naquela hora.
Quando voltei para a rua, senti que estava caminhando mais lentamente. Acho que parte de mim tentava processar tudo o que aconteceu no dia.
Acredito fielmente que grandes coisas chegam ao nosso conhecimento por um motivo. Mas o que exatamente eu devo fazer agora? Qual é o motivo dessa vez? Preciso de uma luz.
Esse é o tipo de situação em que recorreria a um amigo de longas datas, um amigo que entendesse perfeitamente o tamanho dessa angústia. Mas não posso recorrer ao Tsukishima, já que tudo é justamente sobre ele!
Então acho que só sobra mais uma pessoa que se encaixa nessas características.
— Alô? — obtenho uma resposta após parar nas encostas de uma cerca para usar o telefone.
— Graças a Deus que você atendeu!
— Yamaguchi! O que aconteceu?
— Desculpa por ligar a essa hora, Yacchan, mas preciso mesmo conversar com alguém agora.
Me sentei em um banco de madeira perdido no que parecia ter sido uma praça no passado e contei toda a tragédia para Yachi-san. Ela pareceu tão horrorizada quanto eu, não sei como ainda conseguiu me ouvir desabafar por tanto tempo.
— E o que pretende fazer agora?
— Eu devo fazer alguma coisa? Não quero me intrometer na vida dele... não somos mais tão próximos.
— Se não quisesse se intrometer, não teria me ligado pedindo conselhos.
— Bingo.
— E quem liga se ainda são amigos ou não? Você sempre foi do tipo que vê alguém sofrendo e corre para ajudar, não importa quem seja.
— Bingo...
— Mas cuidado, Yamaguchi, ele não é um gato preso na árvore ou uma senhora que precisa atravessar a rua. Não é tão... simples. Nem sabemos se ele vai te querer por perto.
— Não vai. Mas isso não é sobre o que ele quer e sim sobre o que precisa. Não posso ficar de braços cruzados vendo o Tsukki sofrer.
— E se não houver nada que você possa fazer?
— Preciso ao menos tentar.
Quando me deitei para dormir, acabei tendo a pior das insônias possíveis. Sinceramente, não sei como ainda achava que conseguiria pegar no sono depois de um dia daquele.
Já eram cerca de três da madrugada e eu não parava de pensar no Tsukki. Provavelmente não estaria tão obcecado se fosse qualquer outra pessoa, mas desde que nossos olhos voltaram a se encontrar fiquei me perguntando como pude deixar que tanta coisa acontecesse com ele sem estar presente.
Virei a noite encarando o teto do quarto e me sentindo péssimo por ter achado que estava tudo bem apenas sumir da vida dele e voltar para cidade como se nada houvesse mudado. Mas mudou. Talvez não para mim, ainda meio que me sinto um adolescente patético e confuso que não sabe como reagir quando encontra problemas no caminho. Mas muita coisa aconteceu aqui em Miyagi.
Fico pensando em tudo isso, a noite toda. Mas também começo a decidir que não quero mais ser um mero espectador da vida dele. Está na hora de ter meu melhor amigo de volta.
— Me explica de novo porque acredita que isso seja uma boa ideia. — Yachi-san está de novo na chamada, logo na manhã seguinte antes do trabalho.
— Bom, eu não acho que seja saudável que ele fique trancado em casa, como o Tanaka-san me contou. Reprimir todos aqueles sentimentos ruins sozinho deve ser demais para o Tsukki.
— Tsukishima sempre foi assim. Ele se isola.
— Ou talvez ele se isole porque ninguém nunca nem cogitou tentar tirá-lo dali?
— Muito bem... você conhecia ele mais do que todo mundo, afinal. Qual é o plano?
— Primeiro preciso de ajuda extra, não vou conseguir tirar ele de casa sozinho.
— Sabe que eu adoraria ajudar, mas minha chefe me comeria viva se eu viajasse assim tão de repente.
— Tudo bem, Yacchan, eu fiz algumas ligações. Os reforços já estão a caminho.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Talking to the moon
FanfictionAs luzes da cidade refletiam por toda a parte, mas até o brilho mais forte escapava da visão de Yamaguchi. Tudo que ele via eram ruas escuras, um céu cinza e passos sem vida. O que ele não sabia era que uma única viagem acabaria mudando tudo depois...