"Negra danada, siô, é Maria:
ela dá no coice, ela dá na guia,
lavando roupa na ventania.
Negro danado, siô, é Heitô:
de calça branca, de paletó,
foi no inferno, mas não entrou!"
(Cantiga de batuque, a grande velocidade.)"— Ó seu Bicho-Cabaça!? Viu uma
velhinha passar por aí?...
— Não vi velha, nem velhinha,
corre, corre, cabacinha...
Não vi velha nem velhinha!
Corre! corre! cabacinha..."
(De uma estória.)
I
Nove horas e trinta. Um cincerro tilinta. É um burrinho, que vem sozinho, puxando o carroção. Patas em marcha matemática, andar consciencioso e macio, ele chega, de sobremão. Para, no lugar justo onde tem de parar, e fecha imediatamente os olhos. Só depois é que o menino, que estava esperando, de cócoras, grita: — "Íssia!..."— e pega-lhe na rédea e o faz volver esquerda, e recuar cinco passadas. Pronto. O preto desaferrolha o taipal da traseira, e a terra vai caindo para o barranco. Os outros ajudam, com as pás. Seis minutos: o burrinho abre os olhos. O preto torna a aprumar o tabuleiro no eixo, e ergue o tampo de trás. O menino torna a pegar na rédea: direita, volver! Agora nem é preciso comandar: — "Vamos!"... — porque o burrico já saiu no mesmo passo, em rumo reto; e as rodas cobrem sempre os mesmos sulcos no chão.
No meio do caminho, cruza-se com o burro pelo-de-rato, que vem com o outro carroção. É o décimo terceiro encontro, hoje, e como ainda irão passar um pelo outro, sem falta, umas três vezes esse tanto — do aterro ao corte, do corte ao aterro — não se cumprimentam.
No corte, a turma do seu Marra bate rijo, de picareta, atacando no paredão pedrento a brutalidade cinzenta do gneiss. Bom trecho, pois, remunerador. Acolá, a turma dos espanhóis cavouca terra mole, xisto talcoso e micaxisto; e o chefe Garcia está irritado, porque, por causa disso, vão receber menos, por metro quadrado e metro cúbico. Adiante, uns homens colocando os paus do mata-burro. Essa outra gente, à beira, nada tem conosco: serviço particular de seu Remígio, dono das terras, que achou e está explorando uma jazida de amianto. E, mais adiante, o pessoal do Ludugéro, acabando de armar as longarinas da ponte.
Dez horas da manhã. A temperatura do ar prolonga a do corpo. Só se sabe do vento no balanço dos ramos extremos do eucalipto. Só se sabe do sol nas arestas dos quartzos — cada ponta de cristal irradiando em agulheiro. Cantos de canarinhos e pintassilgos, invisíveis. E cheiro de mato moço. Tudo muito bom. E isto aqui é um quilômetro da estrada-de-rodagem Belorizonte—São Paulo, em ativos trabalhos de construção.
Seu Marra fiscaliza e feitora. De vez em quando, pega também no pesado. Mas não tira os olhos da estrada.
Bem, buzinou. É o caminhão da empresa. Vem de voada. Diminui a marcha... Seu Waldemar, o encarregado, na boleia, com o chauffeur... O caminhão verde não para... Mas, lá detrás, escorregando dos sacos e caixotes que vêm para o armazém, dependura o corpo para fora, oscila e pula, maneiro, Lalino Salãthiel.
Os trabalhadores cumprimentam seu Waldemar, seu Marra esboçou qualquer coisa assim como uma continência, seu Waldemar bateu mão e passou.
Agora seu Marra fecha a cara. Lalino Salãthiel vem bamboleando, sorridente. Blusa cáqui, com bolsinhos, lenço vermelho no pescoço, chapelão, polainas, e, no peito, um distintivo, não se sabe bem de quê. Tira o chapelão: cabelos pretíssimos, com as ondas refulgindo de brilhantina borora.
Os colegas põem muito escárnio nos sorrisos, mas Lalino dá o aspecto de quem estivesse recebendo uma ovação:
— Olá, Batista! Bastião, bom dia! Essa força como vai?...