Don't go

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Era impossível não se sentir como uma intrusa naquela casa. Era assim desde o primeiro dia. Havia algo de desarmônico em cada membro da realeza. E Luísa estava acostumada com a realeza. Com pompas, regras de etiqueta, bailes. Este era seu mundo. E ainda assim, embora fizesse reverências e os chamasse de Majestade, era como se nada daquilo estivesse certo.

Começava com a Imperatriz Teresa Cristina, e seus olhares de desdém. Com a forma como interrompia propositalmente suas aulas. Como chegava no ambiente sempre que Luísa estava com as meninas. A forma como era uma sombra do Imperador em cada decisão sobre a educação das princesas, ainda que nunca opinasse sobre nada. Era óbvio que a Imperatriz não gostava dela. Nem com palavras explícitas deixaria mais evidente. Seu comportamento dizia tudo.

Havia Leopoldina, a mais nova das filhas. Rebelde, recusando-se a aprender qualquer regra de etiqueta ou de boas maneiras. Recusando-se também a aprender literatura, latim ou qualquer disciplina que os professores ensinassem. Saia batendo as portas, reclamava constantemente. E, ao correr para seus pais, gerava um enorme transtorno quase que diário.

Isabel, a mais velha, era a menos problemática da família. Mas as interrupções constantes da irmã, aliadas à forma como Teresa Cristina sempre fazia questão de sugerir que estavam estudando demais, estavam fazendo Isabel se sentir desanimada. Nos últimos dias havia sido ela a solicitar uma pausa em quase todos os turnos, irritando-se com facilidade e mais de uma vez havia repetido Leopoldina e saído da sala.

A maioria dos empregados dos Imperadores também não fazia qualquer questão de tratar Luísa com alguma consideração ou respeito. Celestina era a pior delas, e Luísa poderia jurar que seu trabalho estava sendo sabotado diretamente pela acompanhante da Imperatriz. Os outros, embora não fossem tão ruins, também não faziam questão de esconder o descontentamento com tantas novas regras.

E, por fim, havia o Imperador Dom Pedro II. Luísa o ouvia falar pouco. Embora acompanhasse boa parte das atividades das filhas, era como se não estivesse ali. Bem, não exatamente. Porque o olhar dele queimava a pele dela, em uma das sensações mais estranhas que a Condessa de Barral já havia experimentado. E, mais do que qualquer outra dificuldade, era com a presença dele que não conseguia lidar.

Havia casado com Eugênio por amor. E, embora o tempo fosse implacável, Luísa lembrava-se da paixão. Havia tudo aquilo quando o conhecera. Eugênio não era belo, mas tinha o charme da corte francesa e a encantou pelos olhos. Sabia o que era desejo, sabia o que era paixão. Tinha que saber.

Mas não era o que seu corpo dizia. Desde o primeiro momento, o primeiro olhar, a primeira reverência, era como se nunca estivesse no controle na presença do Imperador do Brasil. E era algo unilateral, tinha certeza disso, mas qualquer gesto banal de Dom Pedro fazia com que saísse do prumo. Saber que era observada por ele era o suficiente para não conseguir reagir.

Esperava que o tempo mudasse aquela sensação, mas mesmo depois de dois meses ainda era assim. Como se o ar mudasse a cada vez que ele entrava no cômodo, como se tudo estivesse abafado de repente. Seus ouvidos eram tomados por zumbidos, as camadas de roupa de repente pareciam quentes demais e Luísa perdia o rumo dos pensamentos.

Talvez fosse mais fácil se ele observasse suas aulas fazendo comentários. Se ajudasse as filhas, se participasse de alguma forma. Era muito mais simples nas lições de latim, quando Pedro era o professor. Ele escrevia na lousa, prestava atenção em Isabel e Leopoldina, interagia com as filhas. Dava à Luísa tempo de respirar, refletir, observar. Mas, quando apenas à observava era como se os movimentos de Luísa se tornassem travados, robóticos. A ciência de que ele estava ali mudava alguma coisa.

E Dom Pedro parecia sempre completamente alheio à tudo isso. Quase como se fosse indiferente à sua presença. O que tornava tudo pior, é claro. Porque prendia a respiração quando ele chegava um pouco mais perto, ou recolhia a mão com uma rapidez maior do que deveria se buscassem o mesmo objeto. Como se o Imperador pudesse de alguma forma queimá-la.

Momentos - Pedro e LuísaOnde histórias criam vida. Descubra agora