Capítulo 2

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Em seus primeiros meses como dama da noite, logo após chegar à maioridade, Charlie esquivava-se sutilmente sempre que podia, principalmente quando os clientes pareciam estar levemente alcoolizados, pois era mais fácil contorná-los.
Sua esquiva não perdurou por muito tempo, pois madame Desirée logo ficou sabendo por terceiras - Genevieve estava entre elas -, e quando realmente foi comprovado por meio de vigias sigilosas de capangas da cafetina, Charlotte sofreu sérias consequências. Ela a colocou trancafiada em um pequeno quarto no subsolo da propriedade, onde permaneceu por um mês, com pão murcho, pouca água para beber, um banho a cada semana seguido de uma troca de roupa, com a solidão ao seu encalço. Desirée expôs que seu intuito com isso era que Charlie percebesse o que a esperaria fora daquele bordel, caso ela conseguisse o impossível - quitar suas dívidas quanto a vestimenta, alimentação, moradia e outros -, ou fugisse. Uma pequena amostra de que não teria condições financeiras para manter sua liberdade. Não haveria recursos para se alimentar, um teto para dormir, e iria definhar. A solidão seria sua única companhia, pois ninguém iria querer uma mulher das ruas, suja, com roupas maltrapilhas, pois tudo o que ela tinha do bom e do melhor pertencia a Madame. Ninguém a empregaria, sem referências, nova, e ainda por cima, uma mulher.
Ao fim de trinta dias completos, Charlotte estava irreconhecível. A pele estava pálida como nunca, olheiras profundas com tonalidade marrom-acinzentada pairavam sob seus olhos. Os cabelos, da obsidiana mais pura, estavam sem brilho, sem vida. As maçãs de seu rosto afundavam-se em sua face. As pernas, braços, o corpo todo, estava dormente, como se estivesse enferrujado.
A cortesã não foi a primeira e nem seria a última a ser usada como exemplo para todos os outros, a cafetina já havia dado castigos semelhantes ou piores para quem a desobedece. Em casos extremos, até mesmo a morte.
Charlie em poucas semanas recuperou o peso, isso também devido a uma grande compulsão alimentar desencadeada por ela. Fora muito tempo sem comida substancial, apenas pão e, raramente, restos frios de alguns alimentos. Então, quando retornou ao "normal" de sua vida, cada prato, cada refeição, a deixava descontrolada. Uma grande onda se debulhava dentro dela, uma vontade voraz de preencher todo o seu ser, de estocar a maior quantidade de comida possível, caso se, porventura, faltasse. E ela queria sentir algo, qualquer sentimento, porque estava completamente vazia. Os alimentos despertavam as melhores sensações nela; prazer, felicidade e contentamento.
Desirée comunicou a Charlie que caso acontecesse algo assim novamente, iria sofrer consequências irreversíveis. Estipulou para ela metas diárias de programas para serem feitos, o dinheiro a ser adquirido, obrigou-a a participar mais veemente das aulas de sedução e cópula que haviam.

O cômodo privativo no andar superior da casa de shows estava em silêncio. Charlie olhou para os dois divãs ocupados por um homem e uma mulher, ambos desnudos. As aulas de sedução eram sempre assim: individuais - para que a própria madame mais sua fiel escudeira, Merrith, pudessem avaliar e intervir diretamente na desenvoltura de cada. Ela já estava acostumada, o que não queria dizer que deixava o momento menos suportável, pois ela odiava isso com todas as fibras de seu ser, mas não tinha escolha, tinha que subjulgar-se a esta situação, não tinha para onde ir e para quem voltar, não mais.
— Ande, Charlotte. — A madame levantou seu olhar das correspondências que estava lendo desde quando ela entrou no cômodo. — Só temos poucos minutos, e mais cinco garotas agora pela parte da manhã.
Por dentro, Charlie estava travando uma luta consigo mesma. Entre a razão e seu coração. A sua razão dizia para ir em frente, porque de fato era a saída mais coerente, mas não certa. E seu coração dizia para jogar tudo para os ares de uma vez, mandar todos ali para as labaredas do inferno, para queimar lenta e dolorosamente. Mas ela seria perseguida, forçada a vender seu corpo na melhor das hipóteses e, na pior, morta. Ela tinha uma dívida, a qual deveria ser paga.
Merrith riu.
— Tire essa cara de merda do rosto. Por acaso irá satisfazer seus clientes assim?
— Oh, Merrith, ela ainda deve estar traumatizada com sua estadia no subsolo. — Desirée falou calmamente, e direcionou o olhar para Charlie. — Você quer voltar para lá novamente, querida? — Seu tom foi uma junção de sarcasmo e docilidade. Chegava a ser doentio.
— Não, senhora. — A cortesã arranjou forças para dizer aquelas palavras.
— Ótimo. Então me convença de que não devo colocá-la lá de novo, junto aos ratos e outras criaturas repugnantes como você. — E a naja expele seu veneno.
— Sim, senhora. — Charlie respirou fundo, elevou os ombros e a coluna, e caminhou na direção dos divãs. — Que ordem devo seguir desta vez?
— A convencional. Comece pelo homem. Beije, toque, e monte-o. Tire o robe e pegue o preservativo de linho.
Charlotte desamarrou o robe, e este caiu no chão sob seus pés. O ar gelado roçou em seus seios pesados, que ficaram rígidos. Ela olhou dentro dos olhos do cortesão antes de subir em cima dele, pôs o preservativo, e forçou o melhor sorriso sedutor que conseguiu, iniciando seu trabalho.

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