A dança Waxárica

4 0 0
                                    

Na terceira semana de aulas na universidade, Aurora foi a Michoacán atrás de algumas informações para o livro que pretendia escrever. Na quarta semana, Tsipekua foi com os colegas do primeiro período fazer a primeira viagem de campo, de três dias, em El Huachichil, a última vila dos Guachichil, um povo aparentado aos Waxárica, também conhecidos como Huichóis, da família dos Nahuas Chichimecas, no estado de Coahuila. A ideia geral era fazer uma descrição da paisagem botânica, zoológica e entomológica do lugar.

— Mal começou a última tarde e já recolhemos um grande número de espécimes, não? Com sorte, fecharemos a primeira nota do período em várias disciplinas — disse Mariana Tsotzil, uma mestiça de olhos claros e voz oblíqua e sonolenta.

— Só eu recolhi mais de 40 amostras de plantas, sem contar os cactos...

— Espera, esse cacto em específico eu conheço. Onde você achou esse? Existem mais?

— Sim, há muitos como esse.

— Faça o seguinte: vá lá, pegue mais uns dois enquanto eu vou chamar Nakawé e Taiyari, porque elas são Waxárica e saberão como fazer.

...

— Primeiro vamos fazer uma fogueira. Tsipekua, você trouxe os cactos? Deixe-os aí por enquanto e vamos dançar.

Nakawé colocou uns galhos de pinus na cabeça e dançava representando o veado, pisando na terra com força. Taiyári era a serpente emplumada e balançava os braços como se voasse. As duas seguravam as awa e os maxakwaxi, ornamentos sagrados feitos desse animal. Depois de uns 15 minutos, convidaram Mariana e Tsipekua para dançar também. Já anoitecia quando elas tomaram o chá de peyote e seguiram imitando os animais, em um ritual conhecido como hikuli neixa.

— Vejam, meninas, eu sou um veado! Onde está meu caçador, para que eu me entregue a ele?

— Tsipekua, basta dançar que ele chegará.

— Até quando?

— Enquanto seu corpo der conta. Quando sentir que não aguenta mais, coloque as espigas de milho na brasa, beba tejuino e volte a dançar.

Depois de mais meia hora, Tsipekua, ao mesmo tempo em que sentia o corpo leve e a mente liberta de qualquer dúvida ou confusão, conseguia perceber o sabor do ar naquele início de lua minguante. Como as pupilas se dilataram, ela também via tudo com mais luz e detalhes. Os sons dos rapazes que tocavam violino chegavam a lhe fazer cócegas. Era bom, e ela estava se divertindo.

— Eu sou um veado, caçador, cadê você?!? — E dançava em volta do fogo. A felicidade do momento tinha um cheiro muito suave de almíscar e o gosto parecido com o de uma maçã verde e gelada. Ela sentia o próprio coração bater, e todas as estrelas visíveis do universo acompanhavam o ritmo das batidas. De repente, ela estava exausta e foi beber quase uma pequena jarra do fermentado adocicado de milho. A cabeça girava sem pressa, e ela sentia que o caçador estava chegando; era necessário se entregar. Então voltou a dançar e a dançar. Todos estavam dançando. Até que o caçador chegou, e ela se entregou, e os dois dançaram por muito tempo. Quando já era madrugada, foram comer o milho e beber mais tejuino. Mas o caçador dela não estava com fome e a beijou, primeiro na boca com decisão, depois no queixo e no pescoço. Por fim, os seios dela tiveram que saciar o caçador. Ela não estava bêbada, mas também não estava, veado que era, em condição de lhe negar os desejos. Saciou-o, pois, como Ereno, deusa do amor, e Kumatame, o deus da cauda de veado, mandaram. A cabeça meio que caiu dentro da mente, que se fundiu com a luz e alguns sonhos. Aurora? Pai?

— Não, Tsipekua. É a Mariana. Arrume-se porque daqui a pouco o ônibus vai nos pegar para voltarmos para a faculdade.

— Mas gente, o que houve?!?

Aztlán: como tudo recomeçou!Onde histórias criam vida. Descubra agora