Cap 2: monstros não existem! Narrador (a) Amélia

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  Em meus 20 anos de vida, não me lembro de uma época em que não visitavamos o sítio do meu avô, meus pais e eu. Mesmo após a separação deles, ainda me levavam lá, era nosso refúgio de paz. O vovô era meio maluco, acreditava no sobrenatural, como bruxas, fantasmas e vampiros. Mesmo não acreditando, eu amava as histórias que ele contava, me fascinava com as descrições das fadas, ouvia atentamente os contos de lobisomens e adorava quando meu avô fazia apresentações de mágica. E foi para lembrar desses bons tempos que eu fui passar as minhas férias aqui, ficar com meu avô, acampar, nadar nos lagos e ouvir suas histórias, enfim, viver uma vida descomplicada, longe dos problemas da cidade grande. Fazia três semanas que eu estava aqui, então resolvi acampar em uma clareira que ficava perto do sítio antes de começar a epoca de chuva.

- Cuidado Amélia, os vampiros gostam de andar por ai a noite. - Meu avô me olhou e deu uma piscadinha.
- Eu não acredito nisso, vô, vou ficar bem.
- Você pode não acreditar, mas isso não faz com que seja mentira.

Revirei os olhos, ajeitei minha mochila nas costas, peguei minha câmera, beijei a bochecha dele e sai. Não planejava ficar muito tempo fora, nem ir muito longe, então não levei muita coisa. Depois de meia hora de caminhada, cheguei numa clareira espaçosa, eram quase cinco horas, então ajeitei o acampamento e fui buscar lenha para a fogueira, um pouco adentro do bosque a floresta ficava mais fechada, os galhos e raízes formavam uma teia de madeira a minha volta, então não adentrei muito, pois não queria me perder. Quando voltei já escurecia, acendi o fogo e entrei na barraca para ajeitar meu colchonete. Deixei minha câmera perto da blusa de tricô velha que uso de travesseiro, planejava tirar algumas fotos quando amanhecesse.

  De repente, ouvi passos suaves do lado de fora da barraca, no mesmo instante pensei no aviso do meu avô sobre vampiros. Suspirei e pensei "Pare com isso Amélia, vampiros não existem", mesmo assim, peguei meu estilete antes de sair da barraca, não pararia um vampiro, mas me fazia sentir segura. Havia um garoto perto do fogo, olhando em volta preocupado. Parecia cansado, com um mochilão nas costas e todo sujo. Cheguei perto dele.

- Hm... oi?
- Oi, - ele olhou pra mim rapidamente, me analisou de cima a baixo, depois voltou a olhar pro bosque, sua voz soava levemente assustada  - desculpa se te assustei, mas eu preciso de ajuda.
- Por que acha que me assustou?
- Você está com um estilete na mão, moça.

Olhei pra minha mão e percebi que ainda segurava aquele instrumento afiado com força, recolhi a pequena lâmina e o guardei no bolso.

- O que você está fazendo aí? - Eu disse, estranhando o comportamento dele.
- Vendo se tem algo por perto. - Ele não desviou os olhos da escuridão que nos envolvia. - Eu sei que acabamos de nos conhecer, mas, por favor, faça silêncio.

"O médico disse pra não contrariar" eu pensei, então sentei perto dele e também fiquei procurando alguma coisa no breu, mesmo não conseguindo enxergar absolutamente nada. Ficamos em silêncio por três minutos, o unico som que eu ouvia era do ar entrando pelas narinas dele, como se estivesse farejando, até que ele se mexeu.

- Desculpe por agir assim. - Ele disse olhando para mim e sorrindo de leve.
- Sem problemas, meu avô tem costumes mais estranhos que esse, - Eu disse sorrindo - mas quem é você?
- Sou o Daniel, mas pode me chamar de Dan - me estendeu a mão - e você?
- Amélia, mas pode me chamar de Amélia. - apertei a mão dele. Ele riu - O que faz aqui?
- Preciso de um lugar pra passar a noite e de um guia para me ajudar a chegar no sítio do seu Cristiano, preciso que ele me ajude a chegar a cidade.

  Ri da estranha conhecidencia.

- Pra sua sorte, eu sou neta dele, o sítio fica a duas horas de caminhada daqui. Se quiser, podemos ir de manhã, é perigoso andar no mato a noite.
- Eu que o diga - ele fez cara de dor e apertou de leve a cintura. - Eu posso ficar então?
- Claro, se fizer a janta.
- Pode deixar comigo. - Ele tirou o mochilão das costas e começou a mexer nele, tirando algumas coisas que parecia comida e uma panela. Fiquei me perguntando por que raios ele tinha uma panela na mochila, mas não questionei em voz alta, cada um com suas esquisitices, se bem que esse garoto tinha muitas.

  Ficamos conversando enquanto ele fazia comida e descobri que ele tinha 19 anos e acreditava no sobrenatural, contei pra ele que meu avô também acreditava, tinha uma biblioteca no sítio repleta de livros sobrenaturais, Dan perguntou se poderia visitar e eu contei que seu Cristiano amava mostrar sua coleção, então sim. Ele acabou de cozinhar rápido, comemos mais rápido ainda e eu perguntei se ele queria ficar com meu colchonete, ele disse que não se incomodava em dormir no chão, só pediu pra deixar a fogueira acesa, o que eu não gostei muito, mas concordei. Ele tirou uma blusa do mochilão e deitou colado na parede da barraca, deixando o máximo de espaço pra mim, o que eu achei bem legal da parte dele.
Quando amanheceu, eu saí para tentar tirar algumas fotos antes de desmontar tudo e deixei Daniel dormindo, ele parecia um gatinho encolhido. Por estar nessa posição sua camisa estava fora do lugar, com sua cintura a mostra, e notei um curativo coberto de manchas de sangue, pensei em olhar, mas seria melhor fazer isso no sítio. Parei na beira da clareira, procurando algo que pudesse me interessar.

  De repente vi algumas marcas que pareciam garras em uma árvore, achei estranho pois não tinha muitos predadores por aqui. Tirei uma foto e procurei por outras marcas, achei não muito longe, alguns galhos quebrados, pegadas de felino, de alces... Não havia alces naquela região, muito menos tigres... isso estava cada vez mais estranho.  Também havia pegadas humanas, que se misturavam tanto com as pegadas de animais que quase pareciam se transformar uma na outra. Fotografava tudo, meu avô amaria fazer alguma teoria ligando aquilo ao sobrenatural. Sem perceber fui me afastando, até chegar a parte fechada da floresta, ali as raízes formavam um tapete traiçoeiro, onde eu tinha que pisar com cuidado pra não cair de cara no chão. De repente ouvi um estalo de galho se partindo, congelei paralisada, pegando o estilete do meu casaco ao mesmo tempo que tentava descobrir de onde veio o som.

- Amélia? - ouvi Daniel me chamar e relaxei na hora. "Por que confio tanto nele?" Pensei.
- Aqui!

Ele apareceu um pouco atrás de mim, com cara de preocupação.

- Tudo bem? Vi que você não estava na barraca, fiquei preocupado.
- Tô sim, vim tirar umas fotos só... como você me encontrou?
- Pelo cheiro. - E com essa afirmação um tanto estranha, ele simplesmente começou a andar de volta para o acampamento. "Esse cara consegue farejar que nem um cachorro?"

Ele me ajudou a desmontar tudo e seguimos na direção do sitio.

- Quero só ver o que o vovô vai dizer quando eu aparecer com um estranho em casa. - Comentei sorrindo enquanto andavamos até o sítio.
- Espero que ele não se incomode. - Ele pareceu sentir dor na cintura de novo, mas tentou esconder, não deu muito certo, já que estava mancando. - Quer que eu carregue sua mochila?
- Tá doido? Você ja tem peso de mais ai, e parece que sua cintura não ta lá muito bem. Vou olhar isso depois, sou estudante de enfermagem.
- Não precisa, eu est... - Ele olhou pra mim e viu que eu não ia aceitar aquela resposta. - Ok, ok...

  /-/

Diferente do que eu esperava, meu avô não ficou surpreso por eu levar um desconhecido pra casa.

- Eu sabia já, quem em sã consciência sai pra acampar sozinho em um fim de semana? - Ele me puxou de lado e perguntou cochichando - É teu namorado?
- Não vô! - Disse indignada - Conheci ele ontem!
- E a juventude não é ligeira? - Ele se afastou gargalhando - Eu estou brincando, sua chata!

Eu amo seu Cristiano, mas as vezes ele parece ter 8 anos

Aj

O Verdadeiro DemonioOnde histórias criam vida. Descubra agora