Finalmente terminei a última fogueira. O sol estava em seus últimos raios de luz e as pessoas começavam a chegar para ouvir as grandes histórias do nosso povo. A Grande Sacerdotisa estava um pequeno palco improvisado de madeira, então a mesma começou a falar e todos se calaram.
-- A muito tempo atrás, quando este lugar não passava de um deserto sem vida. -- encheu sua mão em um punhado de areia e depois a deixando escorrer por entre os dedos -- Um ser de pura luz e bondade, nos criou através da água, terra, fogo e ar. Em uma época distante éramos seres de pura mágica.
Todos estávamos sentados ao redor do pequeno palco, com olhos e ouvidos atentos. Trovões começaram a soar ao longe.
-- Tínhamos bestas aladas do tamanho de uma árvore, podíamos incendiar uma floresta inteira com meio pensamento. Não tínhamos apenas poder, éramos puro poder correndo pelo mundo de forma fluída. Nossas habilidades eram além de qualquer guerreiro humano, não éramos a caça, nós fazíamos a caçada. Algumas bruxas com dentes tão afiados que em contato com a pele quebravam até os ossos, bruxos tão habilidosos que com apenas um guerreiro era possível derrotar 50 humanos.
Éramos seres tão magníficos de pura glória, me pergunto como as posições puderam se inverter tanto. Agora temos que viver escondidos na mata, não vivendo mas apenas sobrevivendo.
-- Reyna Sa Bulan, a rainha mais poderosa que este universo ja viu. Diziam que podia controlar as trevas, envolver seus inimigos em plena escuridão e enlouquece-los ate a morte. Seu maior erro foi achar que poderia ser maior que as próprias Deusas, dizer que poderia tomar seus lugares no universo. Kangit, irmã gêmea da Deusa Mãe, como punição para Reyna, amaldiçoou nosso povo. Nossa magia foi retirada de nós, nossas bestas consumidas pela terra. Os humanos que tanto nos desprezavam por nossa diferença, tomaram confiança e assim se iniciou a queimada.
E foi assim que nosso povo caiu em desgraça, por ambição e egoísmo de apenas uma bruxa, todos nós fomos punidos. Condenados a passar nossas vidas fugindo como ovelhas fogem do abate.
-- Fomos obrigados a correr para dentro das florestas como animais. Obrigados a viver escondidos sem esperança. Os maiores guerreiros do nosso povo se juntaram no outro continente do outro lado do mar e formaram uma unidade forte, um reino do qual nem os piores humanos conseguiram derrubar. Mas nem todos tiveram essa sorte, nem todos eram lutadores, alguns eram apenas artesãos, músicos que nunca tocaram em uma arma. E aos poucos fomos caindo um a um, o canto dos pássaros foram substituídos pelos gritos de desespero e o céu ficou manchado de cinzas e fumaça do nosso povo sendo queimado. Antes éramos feitos de fogo, terra, água e ar e hoje somos feito de pura cinzas e desgraça.
Lágrimas escorriam pelos meus olhos e os pelos dos meus braços estavam arrepiados, não importava quantas vezes ja tinha escutado essa história. Sempre tinha o mesmo efeito. Os trovões continuavam a cantar sua canção juntamente com raios do mais intenso roxo.
-- Muitos acreditam que para acabar a maldição, Kangit teria que ser morta por alguém de nosso povo. Algumas lendas dizem que após nos castigar, A Deusa Mãe a aprisionou neste mundo em forma de lobo, como punição por ter feito mal a seu povo tão amado.
Um raio desceu como uma flecha perto da entrada da floresta, iluminando a silhueta de um lobo enorme com seu clarão, que imediatamente sumiu junto com o raio. Meu coração começou a disparar, devo estar imaginando coisas por conta da história. Uma criança que estava no colo de sua mãe, levanto um dos pequenos braços querendo fazer uma pergunta.
-- Como sabe de todas essas histórias, Grande Sacerdotisa? -- envergonhada após a pergunta, enfiou seu rostinho por entre os cabelos longos da mãe.
-- Essas histórias me foram contadas por minha bisavó a muito tempo. E vocês a contarão para seus filhos, netos e bisnetos. Jamais devemos esquecer de nossa história, dos nossos erros, para que possamos aprender e evoluir com eles. -- A Grande Sacerdotisa fechou os olhos e esfregou as têmporas com as mãos em sinal de cansaço -- Me perdoem por não poder contar mais uma história hoje, a cada dia que passa me sinto mais esgotada.
Com a ajuda de seus dois filhos, ela se retirou para sua casa. E então começamos as cantigas da meia noite. Quem quisesse cantar, bastava subir ao pequeno palco e soltar a voz e como sempre, eu fui a 1ª. A música é acompanhada por tambores e flautas além da própria canção dos trovões.
Jovem, Mãe, Anciã
Esteja aqui escute essa canção.
Ouça o meu chamado através dos mundosSugue o que há de ruim
Leve todo malJovem, Mãe, Anciã
Esteja aqui escute essa canção.
Ouça o meu chamado através dos mundos.Venham bruxas, é lua cheia.
A roda se forma, a luz passeiaJovem, Mãe, Anciã
Esteja aqui escute essa canção.
Ouça o meu chamado através dos mundos.Venham bruxas, a lua chama
A roda se forma, a noite clamaTermino minha canção e então o próximo toma meu lugar no palco. Não fico para ouvir os restos das músicas e vou para o lago afim de me refrescar e ficar sozinha um pouco. Eu sei que não é uma ideia muito inteligente considerando os eventos recentes, mas preciso de um tempo só meu.
Não demoro muito na caminhada e logo chego ao meu destino. A luz dos raios está sendo refletidas no lago, sento-me na pedra de sempre e fechos os olhos por um instante. Me imagino em uma vila descente, com casas que não alaguem na chuva forte, sem precisar me esconder, conhecendo alguém interessante e fazendo aula de diversos instrumentos. Tendo uma vida de verdade e não apenas, sobrevivendo com medo todos os dias de ser queimada.
Sinto algo peludo passar por meu pé e então abro os olhos assustada e prestes a saltar. Mas então o vejo, o lobo de pelagem da cor da escuridão e dos olhos do mais intenso preto e branco. Ele está sentando em minha frente, apenas me encarando enquanto chacoalha seu rabo de um lado para o outro. Ficamos apenas assim, nos encarando por um tempo, então cansada de esperar falo.
-- Obrigada por me salvar no outro dia, teria morrido sem sua ajuda -- e para minha surpresa, ele inclina a cabeça um pouco para baixo como em cumprimento, como se me entendesse apesar de ser uma loucura.
-- Se me vissem agora me achariam uma louca por conversar com um lobo irracional...-- e sem me deixar terminar, escuto um rosnado baixo como em reprovação -- Ó, me perdoe não queria ofendê-lo.
Como se dissesse que não se importava o lobo jogou a cabeça um pouco para o lado e em seguida deitou, mas continuou a me olhar.
-- Seus olhos são iguais aos meus, genética do meu pai. E os seus? Do seu pai também? -- pergunto como se o lobo fosse abrir a boca e falar como um ser racional.
Mas então uma visão surge em minha mente. Estou vendo através dos olhos de uma criança, estou aninhada nos braços de uma mulher e ela acaricia minha bochecha com delicadeza. Seu cabelo é dourado e brilha como se fosse o próprio sol, sua pele em tom escuro e seus olhos pretos como a noite de um lado e brancos como as nuvens do outro. A visão se foi e quando volto para a realidade, o lobo não está mais lá.
_________________________________________Obrigada por lerem até aqui e espero que tenham gostado. Não se esqueçam da estrelinha.
Músicas utilizadas nesse cap:
Lua cheia - wicca
Ouça o meu chamado
Vou banindo
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The heiress's curse - O renascimento
FantasiEstou cansada de me esconder com medo de receber o fim igual aos das minhas ancestrais. Meu povo não irá mais se esconder. Dessa vez eles irão queimar, não serão nossos gritos ecoando pela floresta ao calor da fogueira. Nossa vitória irá sacudir o m...