Capítulo Dez

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Theobald.

Deitado sem camisa no chão da suíte que me havia sido designada, sentindo o frio piso de mármore contra minha pele, encarava o teto com os olhos semicerrados, respirando fundo na milésima tentativa do dia de manter meus nervos sob controle. Dominic não estava ajudando em nada. Minha paciência estava acabando para ela também. Em alguns momentos, é muito confuso para eu entender como podemos ter sido gerados ao mesmo tempo, no mesmo corpo e ainda sim termos naturezas quase opostas.

Por mais que eu tente reprimir, meu instinto com humanos é quase sempre o mesmo: atacar, matar. Muitas vezes nem por fome, nem por defesa, nem por motivo algum que pudesse justificar minhas ações. Muitas vezes, até por pura covardia. Porém, Dominic nunca pareceu ter que se controlar perto de humanos. Alimentar-se, para ela, sempre fora apenas isso: uma questão de sobrevivência. Embora ela também conseguisse ser cruel, raramente o era com humanos, apesar de sua imensa indiferença com a raça. Fato que em muitas ocasiões irritou nosso pai. Para minha irmã, humanos são tão indefesos quanto baratas: podem causar um pequeno incômodo, mas não merecem sua atenção. Talvez por conta disso seja tão difícil para ela compreender meus ímpetos.

Entretanto, ao salvar o garoto, opondo-se sem disfarces à nossa própria espécie, ela demonstrou muito mais que a sua usual rebeldia. Aquilo era compaixão. Vampiros não sentem compaixão. Ou não deveriam.

Levantei de uma vez e peguei na mochila o livro de Lewis, buscando algo que me ajudasse a bloquear meus sentimentos. O livro continha diversos contos que para os humanos eram narrativas fantasiosas cujo tema era a caça ao sobrenatural. Contudo, a Orbis Semini sabia muito bem que a fantasia era real.

Dei uma rápida lida no sumário, procurando por algo que chamasse minha atenção. Escolhi o capítulo intitulado "A Dama da Lua".

"A aurora aproximava-se alaranjada e segura enquanto eu seguia a trilha que levava ao Bosque de Luna, após exaustivas horas gastas em tentativas falhas de capturar uma prova sequer da existência do tão comentado duende azul. O conhaque que me manteve acordado e aquecido durante a madrugada estava quase no fim e concentrei-me para o último gole quando algo pareceu mover-se rapidamente entre as árvores à minha direita. Prontamente, o cansaço deu lugar à adrenalina e procurei proteger-me atrás de uma das árvores enquanto buscava uma visão do que quer que fosse.

Subitamente, senti unhas cravarem em minha nuca no momento em que tudo ficou negro, como se a manhã fosse novamente madrugada. Incapaz de defender-me – não conseguia mover um dedo sequer – ouvia sussurros rápidos em uma língua desconhecida; invadido repentinamente por uma sensação inesperadamente quente e acolhedora, adormeci, tendo tomado conhecimento do fato apenas ao despertar, em uma cama totalmente desconhecida.

Ao meu redor, pedras da Lua de diferentes tamanhos pendiam das vigas do teto, refletindo com tamanha singularidade a luz do Sol que entrava pela janela que era impossível não se perder no tempo ao observá-las. Fui despertado do transe por um miado baixo e preguiçoso.

Um gato branco, de olhos azuis, encarava-me entediado ao lado do que parecia uma passagem; um tecido branco movimenta-se com leveza, bloqueando minha visão do resto da casa. O animal esgueirou-se por baixo do tecido e eu o segui, tranquilo e curioso; apesar de estar indefesamente desarmado em um terreno desconhecido, não sentia medo algum.

Além do portal, um salão simples e aconchegante acolheu-me: grandes almofadas aglomeravam-se junto à uma pequena lareira de pedra, uma mesa redonda de madeira demarcava os limites entre a saleta e a simples cozinha que consistia em um forno à lenha e uma pia de pedra, que embora aparentasse muito uso, estava impecavelmente limpa, como todo o resto. A porta de madeira estava entreaberta e eu podia ouvir os miados do gato chamando-me para fora.

Orbis Semini - A SementeOnde histórias criam vida. Descubra agora