00 | Prefácio

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Minha mãe sempre disse que quem era pobre no Brasil, teria de se esforçar dez vezes mais para chegar em algum um lugar.
E com nossa elite, que contínua com pensamento escravocrata mesmo cento e poucos anos depois da abolição. Se você tivesse o "azar" de nascer preto ou com qualquer traço étnico não branco, seu esforço teria que ser algo a se perder de vista.
"Trabalhe enquanto os outros de divertem", "se você ficar parada, vai ser pior no futuro" ou "tem gente muito mais à frente que você agora, você tem que alcançar eles", são frases recorrentes aqui em casa. Na grande maioria das vezes, dita pela minha mãe, que é uma mulher "terrivelmente evangélica".
Então, é de se imaginar como eu e minha tia fomos criadas por ela.

Eu não brincava na rua, pois os bairros que moramos eram sempre perigosos, e minha mãe tem medo que eu me envolva com "pessoas erradas". Então, durante boa parte da minha infância, eu me encontrava sozinha em casa, estudando ou fazendo qualquer coisa que fosse possível entre quatro paredes.
E isso dificultou muito minha capacidade de socialização na escola, pois eram horas e horas sozinha em casa.
Isso não me incomodava a princípio. Já que eu podia escutar música, ver desenho, acessar fóruns online, cantar, dançar, atuar.
Minha companhia já era o suficiente para mim mesma.

Mas esse isolamento, e esse contato com o mundo virtual desde pequena. Me fizeram ter muitas dificuldades da adaptação na escola.
Eu nunca tinha muitos assuntos em comum com meus colegas além dos desenhos que passavam na TV Globinho e no Bom dia e companhia, então, tive muitos poucos amigos durante a escola.
E quando eu finalmente fazia amigos, eu era obrigada a me mudar de bairro, fazendo com que eu perdesse totalmente o contato com aquelas crianças.

Faz apenas três anos que minha mãe conseguiu financiar uma casa, e pudemos deixar esse estilo de vida nômade.
Fui matriculada em um colégio de bairro onde poderia terminar meu ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio. Às coisas finalmente pareciam estar se ajeitando.

Entretanto, tudo mudou quando minha tia começou a estagiar em um colégio de zona sul, popularmente conhecido pela seu ensino médio bilíngue.
Pra vocês terem uma noção, as mensalidades poderiam chegar até R$7.000. Algo totalmente fora da nossa realidade.
Mas minha tia queria porque queria que eu me inscrevesse para o "vestibulinho" deles, minha mãe adorou a ideia e quando me dei conta, estava estudando dia e noite para conseguir uma bolsa integral.
Com minhas boas notas e bom desempenho na prova de admissão, talvez eu tivesse alguma chance.

Nunca vou me esquecer da sensação de abrir minha caixa de mensagens e me deparar com o e-mail com a resposta do meu processo seletivo.
Eu havia sido aprovada.
Mesmo com anos de estudo apenas em instituições públicas, com professores trabalhando com seus salários atrasados e todas as outras dificuldades da educação carioca, eu consegui.
Meu boletim escolar imaculado, com nada além de 9 e 10 desde o 3° ano do fundamental, finalmente serviu para algo.

Assim que recebi a notícia, fui calmamente até a sala de estar, com um frio na barriga de pura ansiedade.
Minha mãe e tia estavam sentadas no sofá, assistindo cidade alerta. Um programa que sinceramente, nunca entendi. Passa no Rio de janeiro, mas todas as notícias são de São Paulo. Parecia algo colocado ali artificialmente.
Me sentei ao lado dela, respirei fundo e falei:

-Eles pediram 'pra gente' ir na escola até sexta conversar com o Diretor e entregar a documentação.-

-Então você passou?!- Perguntou minha tia com o maior sorriso que via nela em meses.

Eu acenei com a cabeça positivamente e as duas vibraram.

-'Mãe', deixa eu fazer trança no cabelo dela. Pra ela chegar arrumadinha no colégio.-

-Sinceramente, eu acho que seria melhor ela alisar. Você sabe como são 'aquelas crianças'.-

- Eu não gosto de como ele fica alisado, parece uma vassoura.-

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