One

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- Bom dia, Srt. Mia! - acenou Olivia sorridente.


- Bom dia! - respondi com um sorriso sonolento.


Olivia era a competente secretária que Sarah, minha sócia, havia escolhido para cuidar da parte de agendamento e qualquer coisa que fosse baseada em atender telefones ou aguentar clientes mau-humorados.


- Já são quase 09h e Ethan ainda não chegou! Mia, não há condições de se trabalhar desse jeito! - Clare parecia furiosa, e eu não tirava sua razão.


- Fique calma, Clare. Ele vai chegar.


- Preciso de um fotógrafo agora, e você sabe, estamos indo para um trabalho com aquela banda cujo assessor é um chato!


Era visível a irritação na voz e na expressão dela. Tenho certeza de que, se pudesse, estrangularia Ethan no momento em que ele pisasse na agência.


Passei meus olhos pela sala grande que comportava a mesa de recepção onde Olivia exercia sua função e as várias repartições amarelo-claro - as quais a altura possuia cerca de 1m45cm. Cada qual na sua função, muitos em trabalhos externos, o que tornava a sala longe de cheia.


Com um rápido aceno de cabeça, voltei-me para Olivia e, suavemente, falei:


- Ethan.


Ela sorriu e direcionou o telefone à orelha, discando. Certamente havia entendido que deveria ligar para Ethan e descobrir o motivo de sua falta de pontualidade, afinal, isso era rotineiro.


Após quase uma hora de espera, Ethan atravessou a porta usando seu jeans surrado, camiseta preta lisa e seu sapato de couro visívelmente gasto. O crucifixo no pescoço balançava e fazia barulho ao bater nos outros cordões. Ethan Slives era o tipo de cara que não saía sem suas múltiplas pulseiras estilo hippster - nem com o cabelo muito em ordem, embora isso não seja proposital.


- Ethan, minha sala. Já. - falei sem algum sorriso na expressão. Fui para minha sala e sentei-me na cadeira giratória de couro preto, deixando a porta aberta para que ele passasse, o que foi rápido.


- Sabe o trânsito dessa cidade? Caos.


- Sem essa, Slives. Cada dia a culpa é de alguma coisa diferente. O que será amanhã? O Muro de Berlim irá se locomover da Alemanha para as ruas de Nova York simplesmente para atrasá-lo? Qual é?


- Mia! Cara, não sei se você lembra como tenho dificuldades em acordar cedo, ou manter uma rotina! - ele falava em tom de apelo, apesar de ser cômico. Eu já segurava o riso à essa altura.


- É, lembro bem. O ano que dividi aquele apartamento com você foi terrível. - falei, fazendo uma careta.


Eu dividira um apartamento com Ethan assim que cheguei de Seattle para Nova York. Era minúsculo, haviam 4 peças e localizava-se na periferia de NY. Mas era o melhor que meu salário de garçonete pagava na época, há 5 anos atrás, quando larguei tudo - praticamente nada - que possuía em Seattle. Eu era uma adolescente de 16 anos que fugiu de sua cidade natal após perder os pais que foram assassinados brutalmente por deverem dinheiro à um bandido que emprestou dinheiro para meu pai se passando por amigo seu... o resto pode-se imaginar. Não possuía mais ninguém que fosse motivo forte para me fazer ficar - nem o amor de minha vida, do qual saí fugida. Minha fuga foi após uma briga terrível que tivemos. Decidi acabar com tudo e tentar a vida em Nova York, onde tudo começou a dar certo depois de um tempo. Mas, antes do que lhe fora dito sobre mim, Jamie não sabia o que eu havia feito. Talvez James Metcalfe nunca tenha me perdoado por tê-lo deixado sem ao menos dizer um adeus.


Quando cheguei em Nova York, estávamos em pleno rigoroso inverno, e eu mal possuía roupas. Conheci Ethan por acaso, na estação de metrô. Ele percebeu que eu batia os dentes e me emprestou seu próprio casaco, assim que sentou-se ao meu lado no banco. Me ofereceu abrigo, apesar de morar de aluguel no subúrbio, eu aceitei, afinal, qualquer coisa era melhor que morar no meio do Central Park se cobrindo com um lençol de neve. Devia muito ao Ethan, mas ele aceitou nossos termos quando decidiu trabalhar conosco.


- Ta, tudo bem! - ele suspirou, desviou o olhar do chão e focou em mim. - Juro que nunca mais me atraso.


- Jamais jure em falso na minha frente de novo. Olha, você sabe que muito antes de ser sua chefe sou sua amiga, mas não podemos esquecer que existe uma segunda chefe. Tudo bem, nessa parte eu que mando, mas seu salário é pago por duas, eu e Sarah. Clare quer seu pescoço, e se você vir alguma cadeira voando, se esquiva: não vou te proteger. Agora venha cá e me dê um abraço, manezão.


Depois de um longo abraço, do qual sai com os cabelos ruivos-escuros bagunçados, Ethan ia saindo na porta quando recuou, dando um passo atrás e se apoiando no marco da porta:


- Ah... Clare já...?


- Sim, ela já foi. Levou Diogo para tirar as fotos em seu lugar. - o interrompi. Ele saiu e eu sorri sozinha.


Olhei alguns papéis e projetos que eu teria de assinar caso aprovasse, ao fim, peguei todos e levei para Lucya, que era encarregada da parte de publicidade. Éramos uma agência conhecida, uma empresa grande, por assim dizer. Éramos uma redação, uma revista. Também tínhamos repórteres, fotógrafos, publicitários e todo o pessoal adequado para o restante de nosso trabalho. Muitas vezes éramos procurados pela acessoria de bandas ou artistas em geral, para gravar matérias, fazer seções de fotos, design de seus CDs ou DVDs, e por outros, também fora do ramo musical.


- Sabe... Acho que você deveria vir conosco passar um fim de semana na praia. - disse Antônio, um dos nossos melhores repórteres.


- É terça-feira e vocês já estão pensando em fim de semana? - ri - Não sei se vou poder, Toni. Esse fim de semana tenho que analisar algumas contas e coisas burocráticas. Você sabe, um saco.


- Certo. Mas você sabe o que penso à respeito. Você não pode só trabalhar, Mia. Você tem 21 anos, tem que viver, sabia?


Rimos. Era exagero dele, eu saía. E saía bastante, mas nas últimas semanas estávamos cheios de trabalho, e eu era responsável por grande parte. O trabalho exigia muito de mim.


Enquanto andávamos até a mesa dele, olhou para a mesa de recepção e falou:


- Olivia, não esqueça de pedir para que Clare venha falar comigo quando chegar. - abaixando o tom, continuou: - Ai, preciso de férias.


Ri. Escorei-me na parede amarelo-claro e descruzei os braços para pegar de sua mão quando me foi entregue uma pasta cinza com algo que parecia uma matéria sobre alguma banda de Seattle. Pareciam famosos, embora eu nunca tivesse ouvido falar, havia me desligado das coisas de Seattle.


- Os caras são demais. Clare ficou com as fotos, eu acho. Vou ver com ela assim que ela voltar. Matéria de capa. Tenho que falar com Claus para ele montar.


Claus era o nosso design da revista. Todo o processo criativo era com ele.

Olhei para o relógio que ficava a cima da mesa de Olivia e notei que já estava quase no horário de almoço. Meu estômago roncava alto. Avisei o pessoal que quem quisesse poderia sair para almoçar e fiz o mesmo, acompanhada de Antônio, Ethan e Sarah. Fomos até um restaurante ao ar livre, a uma quadra da agência, onde costumávamos ir. Rimos ao entregarem nossos pratos e compararmos meu frango à milanesa, arroz branco e batatas fritas com o prato de salada variada e arroz integral com queijo de Sarah, nossa vegetariana.


- Mia - me surpreendi ao ouvir meu nome, tão de repente, sair da boca de Ethan - você veio pra cá porque sabia, ou ao menos imaginava, que teria uma vida melhor... mas chegou a imaginar que se tornaria Mia Wayland, a empresária por trás da Palacce Magazine?


Refleti por alguns segundos, paralisada com a batata frita à frente da boca. Nem sempre sonhei em ser conhecida, mas quando se é apresentada à Nova York... tudo muda.


- Não. - respondi, afinal. - E não sou só eu por trás. Há Sarah também.


- Seus méritos. Você sabe mais do que ninguém que é o alicerce de tudo; você começou com tudo. Suas idéias, suas ações fizeram a Palacce ser o que é hoje. - disse Sarah, sorrindo com o olhar.


- Pode até ser, mas o dinheiro investido lá foi seu. É seu.


- E, graças a suas idéias, eu adquiri o triplo ao longo desses quase 3 anos de empresa. Mia, você tem a competência.


Parei. Fiquei pensando nisso, sem responder. Fui salva dos olhares por Antônio, que puxou outro assunto, sobre pesca, talvez.

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