Capítulo 57

42 3 1
                                    


Os guardas encararam criatura com cautela, suas lanças cortesmente abaixadas. Mas as expressões que ostentavam não eram amistosas. Astrid recuou, postando-se ao lado de Theodors. Heron a seguiu como um filho obediente.

Bellowa se adiantou, ajoelhando-se perante seu senhor.

A seus pés depositou a espada, a qual batalhou por tantos séculos ao lado dele.

Amadeo roçou o focinho nos cabelos dela.

Dimitri se ergueu do chão, ainda assombrado com os acontecimentos. Seus passos o levaram diante do Albino. Seus joelhos cederam, mas ele não se curvou em subserviência. Abaixou-se somente para contemplar aqueles olhos tão escuros como os seus.

- Se há algo parcialmente humano dentro de você como Ela diz, deve retornar.

O lobo uivou em resposta.

Ao longo de toda a floresta e montanhas, milhares de uivos o acompanharam.

Helve se aproximou a passos suaves, seu rosto complacente exibia serenidade. Como se esparrasse a teimosia de um filho cessar.

O lobo albino se curvou, estremecendo o corpo num chacoalhar que reverberou por todo o solo. Das profundezas de sua alma emergiu o corpo nu de um vampiro há muito adormecido. A pele alva e marmórea era absurdamente bonita, besuntada com o sangue do irmão assassinado. O torso forte exibia o tribal antigo, diferente do que os vampiros de Morris ostentavam. Os braços fortes sustentaram o corpo curvado, retesado diante de sua nova forma. Os cabelos grossos e longos eram albinos como o pelo que sua fera antes ostentava, agora tingidos de sangue lhe davam uma aparência assustadora. Os olhos, antes escuros como as trevas assumiram o tom de azul ciano, o mais lindo entre os imortais. Direcionados exatamente para onde Gwen se encontrava.

A garota não conteve seu assombro.

Amadeo gemeu, forçando o corpo rígido se acostumar com suas funções humanas.

Os guardas se curvaram, batendo as lanças no chão num ritmo constante.

O Exilado se ergueu, os olhos intensos. Sua força e poder irradiando com perfeita simetria. Ele grunhiu, alto o suficiente para demonstrar sua soberania. Não havia qualquer traço de prepotência em seu gesto, o grito foi perpetrado por dor e vitória.

Helve lhe sorriu.

- Nunca pensei que fosse sentir prazer em me curvar diante de um rei.

- Minha Senhora. – a voz dele era rouca.

- O rei está vivo. Vida longa ao rei.

Ela se curvou. Ela, que nunca havia se submetido a liderança ou soberania de nenhum imortal, curvou-se sutilmente diante do poder do novo Suveran.

Amadeo se voltou para Bellowa, cumprimentando a única filha que lhe sobrara.

- Minha criança.

Bellowa venceu a distância entre eles e o abraçou com força.

- Nem em um milhão de anos acreditei que fosse voltar para mim. E durante todo esse tempo não desisti de você.

Ele abriu um sorriso audacioso, muito parecido com os que Dimitri esboçava.

- Você é o meu orgulho. – seus dedos, sujos de sangue, acariciaram a face da guerreira.

- Meu Senhor. – Theodors o saudou, cauteloso.

- Theodors. – Amadeo sorriu, cumprimentando o guerreiro com divertimento. – É maravilhoso não estar contra você desta vez.

- É gratificante não necessitar mais disputar a guerra contra o vampiro por quem sempre ostentei admiração.

Seus olhos passaram pela multidão curiosa, focando-se em Dimitri.

O guerreiro se aproximou com passos largos.

Eles se abraçaram no antigo cumprimento das tribos ancestrais.

- O mais belo dentre os imortais – Amadeo sussurrou, os olhos cobiçosos como outrora. Aquele olhar desejoso que sempre o acompanhava quando fitava Dimitri. – Tenho uma dívida de sangue com você.

- Todas as dívidas foram pagas esta noite. – seus olhos se demoraram um no outro. – Além do mais, você já a quitou ontem à noite. Quando a salvou do desgarrado.

Os olhos de Amadeo se voltaram para a garota.

Ela o encarava com curiosidade e assombro.

Ele sustentou o olhar com intensidade.

- Dentre todos nesta clareira você foi a única que ousou tocar minha fera sombria.

- Acredito que, desde a minha emboscada naquela floresta, você é perfeitamente dono de si mesmo.

Amadeo sorriu.

- O que o fez voltar a si? – Dimitri perguntou.

- O toque da magia. – ele se aproximou da garota.

Encantado com alguma coisa nela, ele não se deu conta de sua intromissão. Mas a garota não recuou, sustentou a presença dele com o olhar intenso. Mesmo quando os dedos frios e marmóreos tocaram sua pele com curiosidade, Gwen permitiu sua presença.

- Havia magia em você, minha criança. – o sussurro dele tocou sua pele. – Pura, antiga e poderosa.

- Gwen é uma êzant. – Helve disse. – Acreditei que soubesse disso. A magia nunca passou despercebida por seus olhos.

- Como não saber. – ele sorriu, encantado. – Meus pensamentos, ações e sentimentos eram mascarados pelas trevas e o ódio. Mas houve dias em que eu conseguia sentir o toque da magia dela.

- Não há mais. – Gwen não conseguiu disfarçar a dor em suas palavras.

- Você abdicou de seu bem mais precioso por um de nós.

- Eu não suportaria perder o amor da minha vida.

Os olhos deles se encontraram e os de Amadeo se acenderam.

- Posso compreender a dor por trás de tal perda.

- Sinto muito. – Gwen se apressou em dizer.

- Não, criança. Eu é quem sinto muito. Tenho uma dívida de sangue com você.

- As dívidas foram pagas esta noite. Ou em noites passadas.

O sorriso que Amadeo esboçou foi sedutor.

- Há muitas dívidas a serem pagas a você. Eu conspurquei sua carne com minha mordida, persegui e ameacei seus mais amados, cacei você e a obriguei a fugir para terras sombrias, com medo de minha fome. De todas as dívidas que tenho com você, Menina, permita-me pagar a mais grave.

Ele venceu a distância que os separava e a enlaçou em seus braços. Seus olhos se encontraram e seus lábios roçaram o dela sem qualquer vestígio de sedução ou desejo sombrio.

- Pelos poderes que herdei do sangue de Lilith eu lhe devolvo o que tão generosamente ofertou a ela em sua barganha. – ele sussurrou, soprando o ar dentro de sua boca assustada.

Gwen ofegou, invadida por aquele formigamento tão conhecido. O vazio se preencheu nas profundezas de sua alma, o calor se espalhou pelo corpo juntamente com o comichão que preencheu seus dedos. Ao seu redor, milhares de pontos de luz bruxuleantes bailaram pela chuva saudando a magia que a preenchia de volta.

Seus olhos se voltaram para Dimitri, preocupados que a imortalidade fosse revogada. Mas ele estava bem ali, saudável e forte. Olhando para ela com assombro e gratidão. Ela se voltou para Amadeo.

- Por toda a minha vida serei sempre grata a você.

- Não criança, eu lhe serei grato. Por toda a eternidade. Uma alma tão brilhante não pode ser desperdiçada.

Seus olhos se voltaram para sua herança de sangue e ele sorriu, ansioso por retomar o que lhe fora negado por tantos séculos através de mentiras, traições e ódio. Ele ergueu sua mão convidativa a sua guerreira. Bellowa a tomou, iniciando-se assim a soberania do filho legítimo e mais querido de Liltih.

Em seu coração governava a fome, a sedução e o poder.


A sedução da Meia NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora