Há muito tempo, durante um inverno bonito e calmo, uma fabricante de brinquedos decidiu criar uma boneca de corda para simbolizar a criança que nunca teve. Ela construiu a boneca com os mais nobres materiais, pintou seus traços com toda a sutileza que possuía. E, para que a boneca tivesse vida, colocou-lhe uma corda dourada nas costas.
Todos os dias a fabricante de brinquedos dava corda em sua criação, sempre ajustando e eliminando quaisquer imperfeições. Com o passar do tempo, a boneca cresceu e a fabricante de brinquedos foi envelhecendo, ela tinha de ensinar a boneca sobre a vida e sobre como dar corda em si mesma, pois um dia não estaria mais ali. A fabricante, então, passou a ensinar sua criação a cuidar de si, mas a ensinou da maneira a qual queria que ela fosse, uma boneca educada, inteligente, bondosa e sorridente, nada menos que a imagem da perfeição.
A boneca agora com mais consciência, dava-se conta de que ser perfeita era cansativo, ela sentia o peso em suas costas, vindo de sua corda dourada. Sempre que alterava um pouco sua corda, a fabricante de brinquedos a mudava para o modo original. Ansiando por ser livre e experimentar o mundo, a boneca de corda tirou a face doce e sorridente e a corda dourada, e criou uma outra feita por ela mesma. A nova face não era tão sorridente e a nova corda não era dourada, era de ferro enferrujado. Triste consigo mesma pois sabia que a fabricante de brinquedos ficaria desapontada com a mudança, a boneca tingiu a corda de dourado e fez da antiga face uma máscara.
Quando a fabricante de brinquedos estava por perto, a boneca agia da forma que fora criada, usando a máscara de sua face original. Doce, quieta, delicada, educada, perfeita. Nada fora do lugar. Contudo, quando estava longe, a nova face aparecia, uma coisinha tagarela, que não tinha medo de expressar suas fortes opiniões. A corda nova, apesar de enferrujada, lhe servia bem. Ela dava corda em si mesma e dançava até não poder mais, coreografias erradas, passos fora do contexto, porém, o sorriso de liberdade no rosto e a lua como companhia.
Por um tempo, a boneca de corda foi feliz com a vida dupla, tinha um pequeno gosto da liberdade de ser o que queria e ainda podia manter a farsa que deixava sua criadora feliz. Entretanto, isso não estava mais dando certo. A corda cor de ferrugem precisava ser constantemente pintada, e a máscara costumava oscilar. A fabricante de brinquedos percebeu a mudança, mas ainda acreditava que era a sua boneca de corda original.
A boneca ficava ainda mais desleixada em seus cuidados, sonhando com a liberdade completa, a única coisa que a prendia, era imaginar o olhar de decepção nos olhos da fabricante de brinquedos, a confiança que ela perderia e o brilho nos olhos pelo futuro que imaginava para sua criação, o qual jamais aconteceria.
Até quando a boneca aguentaria manter a farsa? E por que a fabricante de brinquedos não podia aceitar as mudanças?
Criamos tanta expectativa em algo que nos consome tempo, que a ideia de escapar de nosso controle nos frustra. A fabricante consumiu tempo criando a boneca de corda. E a boneca de corda consumiu tempo aprendendo a se recriar. Uma delas precisaria ceder.
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Textos de uma emocionada.
RandomAlguns textos de dias nebulosos, alguns de dias ensolarados.