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A Fogueira estalava e emanava fiapos alaranjados sobre o ar, que subiam e se apagavam antes mesmo de alcançarem as copas das árvores altas que se faziam por toda parte. Já era a segunda noite que aqueles assassinos estavam naquela floresta e não sabiam de fato como ou quando iriam sair dali. Dois dias perdidos e dois dias desde que sua missão havia fracassado - aquela missão designada pelo rei Ionus. 

A noite na floresta era gélida e sombria, porém não assustavam aquelas almas acostumadas a ver tudo o que há de pior nos homens e em seus anseios – e a crueldade humana era o ápice daquilo que os poderiam impressionar dentre tudo o que eles já haviam presenciado em suas vidas sangrentas e facínoras.
Evran, o que mais se assemelhava a um líder entre eles, não conseguia pregar o olho durante aquela noite, mesmo que tentasse. Aquelas memórias voltavam a cada instante para chacoalha-lo como o vento a um galho seco, que penava em cair de sua árvore mãe. Mas ele não se dava ao luxo de deixar-se cair, tinha que ser forte, pelo menos até o dia em que o alívio de sua alma viesse - se viesse.

Escorado a um tronco, sentado e pensativo, ele encarava os outros quatro assassinos que o cercava com tamanho vazio que era como se estivesse olhando pra dentro de si: sem rumo, vontades próprias, presos a uma corrente que nem mesmo um machado de quartzo seria capaz de quebrar. Assassinos que viam algum sentido no que faziam e que não hesitavam em matar até mesmo a mais pura entre as criaturas.

Mas Evran ainda assim não se considerava como um deles, em nenhum daqueles quatro invernos passados desde que o feitiço os haviam dolorosamente unidos, ele sequer havia cogitado ser semelhante àqueles que ao seu lado mataram e morreram sem ter outra escolha que senão obedecer – ou abrir mão da maior riqueza que qualquer ser vivente possui: a própria vida.

Alguns deles nutriam ódios por terceiros e alimentavam o desejo de vingança em inúmeros homens de seu passado mais longínquo, e este sentimento os moldavam verdadeiras bestas aprisionadas – pois eles não tinham vontade própria, não matavam aqueles a quem desejavam, mas a quem o rei Ionus desejava – Evran, por sua vez, só odiava uma única pessoa neste mundo, aquele o separou de sua família – sua única irmã – e que o privou de sua outrora prometida liberdade apenas para saciar seus próprios anseios mesquinhos, destes que o mais ambicioso e cruel entre os reis possui, destes reis que se opõem a qualquer coisa que o impeça de conseguir o que deseja e que consideram a vida de outros como meros tapetes de seda rubra dos quais eles podem pisotear até as botas de seus pés imundos estarem livres da lama.

Embora não se considerassem amigos, havia algo que os mantinham unidos de forma tênue, como se estivessem ligados por um fino fio de barbante que a qualquer momento poderia estourar e, embora fossem assassinos, temiam a própria morte mais do que qualquer coisa entre o céu e a terra - enfim, a hipocrisia.

Eles literalmente matavam para não morrer, não porque temiam os inimigos aos quais eram pagos para matar, - eles estavam muito acima da maioria deles - mas porque eles temiam aquele que os pagavam com o medo para que fizessem o seu trabalho. Um único deslize e era o seu fim, e eles haviam deslizado.

Maldito Rei Ionus!

Se alguém os chamasse de escravos ao invés de assassinos não seria uma indagação totalmente incorreta, mas ninguém ousaria chamar os temidos assassinos – escravos – do poderoso rei de Umiradia desta forma, a menos que desejasse perder a língua - ou a cabeça por completo.

Alog, que também não havia conseguido dormir até aquele momento, voltou-se para Evran e o viu tão longe em seus devaneios que parecia não estar ali de fato.

- Não acho que devemos voltar. Estamos mortos de uma forma ou de outra. - Disse o grandalhão Alog de repente, assustando seu companheiro assassino levemente. Ele tinha a pele negra e músculos maiores do que os de qualquer homem naquele reino.

Contos de Umiradia - Corrente InvisívelOnde histórias criam vida. Descubra agora