Capítulo 2

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Era a calmaria antes da tempestade, sem dúvida. Eu só não sabia disso ainda.

A propriedade estava bem conservada, pois a vizinha, Cheri, que também era uma das melhores amigas da minha avó, havia cuidado dela. Duas semanas depois da minha chegada à casa de minha avó, agora minha casa de veraneio, eu batia na madeira para a paz e a tranquilidade continuarem. Nenhum sinal de Shawn. Nenhum sinal de ninguém. Só eu, eu mesma e meus livros, embalados pela tranquilidade do começo de verão, em meio à brisa salgada do oceano que envolvia a ilha.

Nunca em toda minha vida eu havia apreciado tanto esse tipo de paz. Fazia pouco mais de um mês que meu mundo desmoronara. Além da morte de minha avó, descobri que Matthew, com quem namorei durante dois anos, estava me traindo. Na noite em que descobri, havíamos acabado de transar e ele tinha ido ao banheiro jogar fora o preservativo e tomar uma ducha. Seu celular ficou em cima do criado-mudo, e então vi todas aquelas mensagens da vadia chamada Ashlyn.

Normalmente, Matthew levava o telefone a todos os lugares, até ao banheiro, mas naquela noite ele vacilou. Mais tarde, dei uma olhada no perfil dela no Facebook e vi que metade das fotos postadas era dos dois juntos. Eu realmente tinha notado que nos últimos seis meses algo estava estranho. Aquelas mensagens confirmaram minha percepção.

Pouco antes de viajar para a casa na ilha, descobri que Matthew tinha ido morar com Ashlyn em Boston. Portanto, esse era um importante período de transição para mim. Aos vinte e quatro anos, estava solteira de novo e começando uma nova vida em Newport, onde passaria o verão.

O emprego de professora em Providence me possibilitava tirar férias no verão. Minha esperança era encontrar um trabalho temporário para a estação, mas, por enquanto, só queria algumas semanas para relaxar.

Meu dia começava com o café da manhã no deque superior da casa, de onde era possível ver Easton's Beach. Ouvindo as gaivotas, eu dava uma olhada no Facebook, lia minha revista In Style ou simplesmente meditava. Depois, passava todo o tempo que quisesse na banheira, antes de me vestir e de fato começar o dia, o que invariavelmente significava me acomodar no sofá com um livro.

No meio da tarde, fazia o almoço e ia comer no deque. Antes do anoitecer, ia até a Thames Street em Newport e dava uma olhada nas lojas, procurando artesanato em vidro soprado, bijuterias e arte náutica. Depois, tomava um sorvete ou um café.

O dia costumava terminar com uma visita ao píer para comprar lagosta ou mexilhão. Eu os levava para casa em uma sacola e cozinhava em uma panela, do lado de fora, no quintal. Sentava para jantar com uma garrafa de vinho branco gelado enquanto apreciava o pôr do sol sobre o Atlântico. Isso, sim, era vida.

Minha rotina se manteve inalterada por duas semanas, até o golpe que violentamente me despertou.

Uma noite, quando voltava do centro de Newport com minha sacola de crustáceos, percebi que a porta da frente da casa estava aberta. Será que tinha me esquecido de trancá-la? Teria sido o vento? Meu coração disparou quando entrei na cozinha e vi uma mulher alta, de pernas longas e cabelo curto e platinado. Ela parecia uma Mia Farrow jovem e guardava comida nos armários.

- Oi? - falei, pigarreando. Ela se virou antes de lançar as mãos sobre o peito.

- Ai, meu Deus! Você me assustou. - E se aproximou de mim sorrindo, com a mão estendida. - Meu nome é Hailey.

Com traços delicados, as maçãs do rosto salientes e cabelo curto, Hailey poderia ser modelo. Fisicamente, eu era o oposto dela, com meu cabelo escuro e comprido e corpo curvilíneo.

- Camila - apresentei-me. - Você é...?

- Sou a namorada do Shawn.

Meu estômago se contraiu.

- Ah... certo. Onde ele está?

- Foi ao mercado e à loja de bebidas.

- Há quanto tempo vocês chegaram?

- Há uma hora, mais ou menos.

- E vão ficar por quanto tempo?

- Não sei. Estamos aproveitando o verão. Vamos ver... Não esperávamos nada disso. A casa, quero dizer...

- Sim, eu sei. - Olhei para as unhas pintadas dela bem acomodadas numa sandália de salto alto.

- Você trabalha?

- Sou atriz, na verdade. Na Broadway. Bom, offBroadway, por enquanto. Não estou trabalhando agora, mas terei que ir a Nova York algumas vezes para testes de admissão. Você faz o quê?

- Sou professora. Tenho férias no verão.

- Ah, isso é bem legal.

- É divertido, sim. Onde o Shawn trabalha?

- Ele agora trabalha em casa. Vende software. Pode trabalhar em qualquer lugar. Ele também se apresenta. Você sabe que ele é músico, né?

- Na verdade, não sei mais nada sobre ele.

- O que aconteceu entre vocês? Se não se importa em me contar...

- Ele nunca falou nada sobre mim?

- Só que vocês cresceram juntos e que é neta da senhora M. Na verdade, ele nunca havia mencionado seu nome até recebermos a carta do advogado.

Isso não era inesperado, mas mesmo assim me deixou triste.

- Não me surpreende.

- Por quê?

- É uma longa história.

- Vocês namoraram?

- Não. Não era nada disso. Éramos só bons amigos, mas nos afastamos depois que eu mudei de casa.

- Entendo. Isso tudo é um pouco estranho, não é? Herdar uma casa assim, do nada?

- Bom, minha avó era muito generosa e amava o Shawn. Minha mãe era filha única, então minha avó gostava do Shawn como se fosse um filho...

- Sua avó deixou a casa para você? E a sua mãe?

- Minha mãe e ela tiveram uns conflitos há alguns anos. Felizmente, elas se entenderam antes da morte da minha avó, mas as coisas nunca mais voltaram a ser como antes.

- Que pena. Sinto muito.

- Tudo bem.

Hailey abriu os braços para me envolver em um abraço casual.

- Bom, espero que possamos ser amigas. Vai ser legal ter uma companhia feminina por perto para fazer compras, conhecer a ilha.

- É, seria legal.

- Quer jantar com a gente hoje?

Não estava preparada para ver Shawn Mendes. Precisava inventar uma história e dar o fora dali.

- Na verdade, hoje não. Tenho que ir...

- É essa a sua especialidade, não é?

Não reconheci a voz profunda que me interrompeu.

- Como é? - Engoli em seco e me recusei a virar para trás e olhar para ele.

- Partir - ele falou mais alto. - É essa a sua especialidade.

Eu respirava mais depressa, mas foi quando me virei que quase desmoronei. Puta merda.

Little Bee - ShawmilaOnde histórias criam vida. Descubra agora