Não espero que eles me convençam de suas palavras. Pela primeira vez na vida, fico feliz em ser a criatura mais cabeça-dura da porra deste mundo. Bree, o irmão de Mare, e até Kilorn tentam remeter a antiga visão que eu tinha de Cal antes de todo esse inferno começar: um vilão; um monstro. Um prêmio valioso que pode ser trocado pela liberdade do vermelhos de Norta. Eles não estão errados. Estão longe de estar. No entanto, não sou mais inimiga de Cal. Por mais que estejamos brigados, no fundo, não quero perdê-lo tão cedo. No fim disso tudo, talvez, ele vá embora e vá viver sua vida. Eu não me importaria. Mas agora...
Faço de tudo para fingir concordar com tais ideias distorcidas. E Mare também. Por algum motivo, ela parece mais abalada que eu. Mas não a julgo. Todos estamos confusos. Até quem diz odiar Cal — Kilorn, claro.
Os soldados do homem do olho vermelho escoltam Cal até o hangar, armas empunhadas e preparadas para atirar quando necessário. Mas não acho que ele vá fazer alguma coisa imprudente, mesmo que essa tal coisa imprudente possa salvar sua vida. Ainda mais com as mãos livres e soltas ao lado do corpo tenso e encharcado pela chuva, pedindo para libertar as chamas e fugir para bem longe, nem que seja nadando.
Antes da porta do hangar se fechar, digo para ninguém em específico:
— Se o machucarem, vão se ver comigo.
Bree me lança um olhar raivoso antes de aconchegar Mare em seus braços e nos guiar para fora do pátio. Kilorn caminha ao meu lado, silencioso, subindo os degraus de madeira que nos levam até os galpões militares no topo do morro. Sinto-os desgastados, tropeçantes, e me pergunto quantas pessoas devem ter pisado neste lugar, fugindo do mesmo inimigo em potencial.
Quando chegamos no topo do morro, sou presenteada por uma paisagem surpreendente, ainda que uma cortina de água dificulte boa parte da minha visão. Eu imaginava que, por se tratar de um lugar quase inóspito, as coisas por aqui fossem menores e temporárias. Mas como se trata da Guarda Escarlate, vejo que fui enganada mais uma vez. Esta base é muito maior do que se passava em minha mente, e há mais militares aqui do que no próprio exército do rei. Existem mais barracões do que na encosta, todos muito bem enfileirados em um extenso pátio de concreto. Uma longa linha branca incrivelmente reta corta a pista, seguindo até onde não se sabe. Eu me pergunto o que seria isso, mas a atmosfera calma, apesar da tempestade, quebra qualquer instinto aventureiro que possa aflorar dentro de mim. A única coisa que espero, agora, é encontrar um quarto com uma cama quente e confortável e dormir até não poder mais.
Não sinto mais tanto frio quanto antes, mas a dor em minha perna persiste de maneira cruel. De certa forma, isso me faz parecer vulnerável, o que é bom. Assim, as pessoas não vão me temer como temem Cal. Assim, verão que continuo vermelha, independente do poder prateado que corre em minhas veias. Manco horrivelmente e, merda, sinto que a ferida se abriu. Está sangrando mais do que antes. E preciso da ajuda de Kilorn para me locomover. Ele parece notar que preciso de ajuda, e se prontifica o mais rápido possível. Passo meu braço ao redor do seu pescoço e distribuo o meu peso para o dele. Caminhamos juntos atrás de Mare e Bree, dois corpos se tornando um só por causa da ferida de uma bala. Que ironia. Há uma hora atrás, o que eu mais queria era caminhar sozinha. Agora, dependo de outra pessoa para andar sem cair.
Patética. Como você é patética.
— Você está bem? — Ele pergunta, preocupado.
Assinto devagar, a cabeça girando sem parar.
— Vamos cuidar desse ferimento quando chegarmos lá.
Lá? "Lá" aonde?
A resposta não demora muito a chegar. O barracão onde paramos está maravilhosamente seco. Vejo muitos fios entremeados no teto, sinal de que há eletricidade por aqui. As paredes de concreto formam um labirinto estranho, sombrio, mas que ainda comporta vida. Há muitas portas que indicam que não existe apenas soldados, mas pessoas inocentes, civis fugitivos das ruínas de Naercey e, talvez, só talvez, refugiados de Norta, pessoas que não tinham nada além de Medidas injustas proferidas por Raven Calore. Digo "talvez" porque as punições se tornaram ainda mais atrozes, arrancando à força quaisquer resquícios de coragem daqueles que desejam um mundo melhor em outro lugar. Mantiveram as pessoas cativas em suas próprias casas — caso tiverem uma.
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A Chama da Rebelião (What If...?) A Mais Forte vol. 2
FanfictionO mundo de Ravenna Sylvester não é mais o mesmo. Os seus poderes não estão mais ocultos, assim como seu rosto. A traição de seu falso irmão e o primeiro prateado o qual se apaixonara de verdade, Maven Calore, a obrigou a se entregar à rebelião inici...