UM

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SUSPIRO ALTO o bastante para todos me ouvirem. Meu coração está a mil, tal como minhas chamas, que ainda teimam em se libertar na hora errada. O Ossário já está longe, mas a adrenalina continua bem presente dentro de mim. As lembranças vêm rápido, me assombram e me recordam do dia em que a rainha Elara vasculhou minha mente, meses atrás, antes de me meter nisso tudo. Eu era somente uma criada, uma adolescente com pouco mais de dezoito anos. Meus poderes ainda eram ocultos, um segredo vital e sagrado. Agora, depois tanto tempo, depois de amar tremendamente quem não devia, estou exposta, fugindo como uma criminosa.

Mas eu não sou uma criminosa. Sou uma sobrevivente. Uma sobrevivente que morrerá se não sumir de vez.

Farley se aproxima, arrancando os últimos resquícios dos meus pensamentos. Ela não fica muito perto. Por precaução, não por maldade. Assim como todos os outros, Farley descobriu da pior maneira o nível surreal do meu poder. E não quer correr o risco de se machucar gravemente caso toque em mim. Ainda estou muito abalada pela fuga.

Ela estende a mão e me entrega um pano limpo, recolhendo o braço de maneira bem ágil. É um pequeno consolo quando enxugo meu rosto ensanguentado. Minhas roupas não estão diferentes. Vermelho e prata, o sangue de ambos os lados mancham meu traje destruído — as mangas não existem mais e buracos fumegantes estão espalhados por todos os lados. O vermelho é meu, claro. Mas quero acreditar que o sangue prata seja dos meus carrascos, não de Cal. Diferente de mim, ele sangrou demais na arena, golpeado diversas vezes por Ptolemus Samos e Lord Osanos — espero que esse ninfoide maldito esteja sendo bem recebido no inferno.

— Você está bem?

A voz familiar canta nos meus ouvidos. Ainda não acredito que Mare está aqui, viva e bem, com seus raio brilhantes e eletrificados que destroem tanto quanto o fogo. Não me sinto sozinha, principalmente com mais um de nós à bordo do subtrem. Seu irmão, Shade Barrow, não tem um poder destrutivo. Mas é muito útil. Mais que isso. Ele se teletransporta, o que é demais para mim. Um prêmio que vale por ouro.

— Estou. — Respondo, atônita. — Obrigada por ter me... nos salvado. — Lanço um olhar para Cal, mais conhecido como "traidor", o que não é verdade. Não preciso perguntar para saber que a imagem da cabeça decepada de seu pai roda incessantemente na sua mente. Seus olhos detêm-se sobre as botas, vazios. Matar o pai com as próprias mãos durante um controle mental e não poder fazer nada para impedir deve ser a pior coisa do mundo para se recordar.

Nem as correntes que o prendem o intimidam. Esteve o tempo todo no fio da navalha, e não é um bando de rebeldes esfarrapados que vai assustá-lo.

— Isso com certeza não fazia parte do nosso plano — Mare fala, também olhando para Cal. Ela não precisa revelar o quanto está pensando na nossa queda vergonhosa sobre a Ponte de Archeon. Aquilo custou a vida de muitos de nós.

— Eu sei. — Suspiro mais uma vez. — Eu deveria ter feito alguma coisa. Talvez extendido o ataque, não ter me permitido ser pega...

— Ei, calma. A culpa não é sua — Mare evita me tocar. Mantém uma distância respeitável para continuar com a pele intacta.

— Então por que eu sinto que o sangue dos rebeldes está em minhas mãos?

— O sangue deles está nas mãos de Maven, não nas suas. Ele traiu a todos nós. Você também foi uma vítima. Não deixe que a trapaça de Maven controle sua mente.

Querendo ou não, acredito na sua palavra. O verdadeiro monstro é Maven, não eu. Ele traiu nossa confiança, deixando para trás tudo que passamos juntos. Mas não minto quando digo que parte dessa culpa também é minha. Se não fosse por mim, estaríamos indo diretamente para um esconderijo seguro, sem medo de sermos encontrados pelo novo rei. Sem medo de cairmos numa armadilha mortal feita por ele.

A Chama da Rebelião (What If...?) A Mais Forte vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora