Era o fim de uma tarde pacata quando o último ônibus do dia, o ônibus Cometa, chegava naquela cidadezinha de interior. No interior do veículo, duas passageiras peculiares e completamente destoantes dos costumes e do povo daquele lugar. Uma delas, Grimes, olhava pela janela do ônibus pensativa, enquanto sua mente arquitetava um novo golpe. Seria fácil, em seus planos, enganar uma população tão desprovida de malícia.
Ao seu lado, Ashnikko ainda cochilava, como fez durante toda a longa viagem vinda da capital, após terem todo seu esquema anterior descoberto pelos agentes da lei — agora, longe de casa, a dupla de golpistas busca uma nova vida, tentando se recuperar da falência através dos mesmos meios ilegais.
É a freada brusca do motorista que tira Grimes de seus pensamentos e Ashnikko de seu sono; e também anuncia, juntamente com um aviso gritado, que elas haviam chegado ao destino. Ashnikko faz o seu melhor para descer com graça os degraus, mesmo usando enormes saltos plataforma. Grimes torce o nariz ao olhar em volta, mas põe esforço para disfarçar o nojo da pobreza.
A possibilidade de ali não haver nenhuma alma sequer com bens de valor inevitavelmente corria por suas cabeças. Porém, quando Grimes colocou seus olhos na cúpula da Igreja Católica e viu um sino tão reluzente quanto o ouro, deduziu que algo valioso havia nos bolsos tanto do padre quanto do povo. As damas da cidade circulavam com joias caras, as quais poderiam fazer inveja até nas filhas dos prefeitos das cidades vizinhas, mas suas roupas, para quem é acostumado com a última moda, eram praticamente farrapos.
Apesar de muito pouco conhecido, esse humilde local tem suas vantagens: sua economia é feita em cima dos minérios encontrados em sua terra, e tão comuns ali, os moradores mal sabem o valor do que tem em suas mãos. Essa seria a chance perfeita das vigaristas se darem bem, mas para isso, precisariam se infiltrar, disfarçarem de meras moradoras da região. E tudo isso aconteceria em completo sigilo e sem nenhuma interferência externa, elas esperavam.
— Não acredito que estamos nos rebaixando a esse ponto — diz Grimes, enquanto as duas andavam pela rua de paralelepípedos.
— Acredite, poderia ser pior — Ashnikko fala. — Pelo menos, aqui ninguém nos conhece.
— Duvido muito. Mal pisamos e já estamos sendo observadas. Nesse fim de mundo, a fofoca vai correr solta.
— Eu tenho cabelo azul e você está vestida como se tivesse vindo de Marte, a maior fofoca que poderiam fazer é que somos satanistas.
— Ótimo. Poupava o meu tempo em me justificar.
— Desde que ninguém tente nos exorcizar... poderíamos virar benzedeiras e arrancar dinheiro de crentes vendendo placebo — Ashnikko sugere, sorrindo travessa.
— Isso seria uma ótima ideia, se pelo menos soubéssemos onde vamos passar a noite — Grimes diz. — Ô, carroceiro! Em que lugar tem um hotel aqui?
O velho, que estava tranquilo alimentando seu cavalo, a olha como se fosse louca, e ri.
— Hotel? Aqui? Tá achando que tá nos isteitis? O máximo que vocês vão encontrar é os bancos da rodoviária.
A garota suspira frustrada. Deveriam ter pesquisado melhor sobre o local antes de pular no primeiro ônibus que viram na terminal; mas olhando positivamente, ainda é manhã, com sorte terão tempo de arrumar ao menos um colchonete no fundo de um bazar.
— Esquece, Claire — Ashnikko a segura pelo braço para que continuem andando. — Tô morta de fome. Pelo menos uma lanchonete deve haver aqui.
— Vamos procurar. — Grimes diz.
As rodinhas das malas faziam um barulho insuportável enquanto andavam e chamavam ainda mais a atenção. Ashnikko teve o vislumbre de se deparar com uma senhora fazendo o sinal da cruz em suas direções, e se segurou para não responder um "amém", mas Grimes mandou logo um dedo médio, que rapidamente Ash forçou a mão a descer e murmurou um pedido de desculpas como se quisesse dizer que sua amiga tinha alguns neurônios a menos (o que provavelmente era, de fato, o caso).
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O pão que o Lil Nas X amassou
HumorAs golpistas falidas, Grimes e Ashnikko, pensaram que seria uma boa ideia mudar da cidade grande para o interior, já que, uma vez desconhecidas, poderiam aplicar toda a pilantragem possível nos moradores caipiras e ingênuos. Porém, as coisas passam...