Parte 04

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IV


Eu decidi chegar cedo no dia seguinte sem carregar meu celular pela noite, apenas para ter uma desculpa para roubar o lugar dela. E sentei lá, perto da tomada, carregando meu celular, escondendo o sorriso por aquele plano genial.


Então o resto da turma foi chegando, alguns do grupinho dela, alguns do meu. E quando me perguntavam o que eu estava fazendo ali, eu nem precisava me dar ao trabalho de responder, eles percebiam que eu estava com o celular plugado na tomada e falavam "ah, tá". Era o plano perfeito, até Letícia chegar e me ver no lugar dela, usando a tomada dela, e desviar completamente para outro lugar da sala.


Imagina a minha cara, dias e dias de planos para ela decidir estragar sentando longe de mim, como sempre. É claro que ela não sentaria perto de mim, ela me odiava, e os amigos dela provavelmente ainda implicavam com aquele dia no cinema. Provavelmente riam da minha cara e agora me viam como a maluca que roubou o lugar da tomada.


Sem nenhum amigo por perto, só sobrava prestar atenção na aula. E meu celular já estava carregado, eu estava longe do quadro, e o fundo da sala não parecia o lugar adequado para mim. Mas pelo menos era interessante sentar ali e ver todo o resto da turma na minha frente. Dava para saber o que cada um estava fazendo.


Então era assim que Letícia se sentia todo dia? Ela me via tirando e botando o celular na mochila para ver as horas, assim como eu a via rabiscar no papel enquanto mexia no cabelo? E era engraçado notar a mania que ela tinha de bater com a caneta atrás da orelha enquanto pensava em alguma coisa. Eu teria comentado com algum amigo, se estivesse perto deles.


E eles estavam ali, conversando, fingindo que eu não existia. Era isso, estava cansada daquilo. Meu plano era um fracasso e eu resolvia aceitar que meu próximo abraço seria na formatura, ou talvez nunca. Provavelmente nunca. Por que a gente se abraçaria na formatura? Era um pensamento estúpido, eu devia voltar para a realidade.


Acabava a aula, eu trocava uma ou duas frases com o meu grupinho enquanto a gente saía da sala, mas estava desanimada. Queria apenas ir para casa e abraçar meu cobertor de novo, já estava ficando acostumada.


Mas aí, chegando na saída da escola, Letícia chama meu nome andando rápido na minha direção, quase correndo. Era isso, ela estava furiosa que eu havia roubado o lugar dela e estava esperando eu sair da escola para, como os jovens diziam, "cair na mão", dar um tapão, meter um socão, sei lá, me nocautear. E eu nem sabia brigar, só esperava ela me acertar pra desmaiar e acordar na secretaria em uma reunião disciplinar.


Mas não era nada disso, ela chegava para me entregar meu carregador de celular. É claro que eu esqueci ele lá de propósito, certamente não foi por eu nunca levar o carregador para a escola, nunca precisar carregar o celular lá, não foi negligência nenhuma, foi um plano. Tá bom, não foi planejado, mas o que importa é que funcionou.


Ela me entregou o celular falando "você ia esquecer lá" e eu estava sem jeito. Fiz ela trocar de lugar por causa daquele treco, só pra conseguir falar com ela. O plano era esse, sentar perto dela, pedir uma borracha ou um apontador emprestado, trocar um papo, fazer uma amizade, e talvez depois de alguns meses conseguir um abraço.


Mas ela chegava com o carregador e eu ria agradecendo, sem saber onde me esconder. "Obrigada", era só isso que eu tinha que dizer, mas eu talvez tenha travado um pouco pelo medo dela realmente estar brava comigo. Não estava, eu acho. E eu falava "é meu?", como uma maluca qualquer que finge que não entendeu.


É claro que era meu, e ela dizia "ficou onde você tava sentada, preso na tomada", e eu me sentia uma tapada por tirar o celular do cabo mas não tirar o cabo da tomada. Ficou lá dando sopa pra qualquer um pegar. E por sorte ou azar, foi ela. Na verdade, nem sorte nem azar, foi estratégia.


É claro que ela iria voltar no lugar dela, falar com o grupinho dela antes de sair da sala assim como eu fiz com o meu. Então ela viu o meu carregador e pensou "essa mocréia esquecida vai me pagar por isso". E agora ela estava ali, de frente para mim, esperando alguma recompensa.


"Obrigada", eu dizia atordoada, e então fazia a jogada mais genial de todas as estrategistas de guerra fria que já existiram naquela sala de aula: eu abracei ela, como se fosse uma jovem desesperada por terem encontrado seu super importante carregador.


Eu abracei ela, e ela me abraçou. Durou um segundo, mas abraçou, já seriam dois contando esse e o da formatura. Ela me soltou e falou um "de nada", rindo e eu pude ir para casa feliz. Feliz, mas infelizmente viciada.

Maluca e Lelé da CucaOnde histórias criam vida. Descubra agora