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Estávamos todos dentro do imenso salão da escola, cada um sentado numa cadeira da extensa arquibancada de madeira. Eduarda e Carol estavam cada uma de um lado meu e jogávamos conversas triviais ao vento, esperando o momento em que os diretores iriam começar a falar no microfone.
Hoje era o grande dia em que o projeto que eu e Lita trabalhamos iria ser mostrado para toda a escola. Cada professor havia ficado encarregado de fazer algo em comemoração ao final daquele ano, que após tantas coisas ruins tinha sido grandiosamente finalizado de maneira leve e saudável - Lita ficou com a importante missão de criar um vídeo com pequenas curiosidades sobre esse último ano e a parabenização de alguns alunos que conseguiram se destacar (não somente em nota, mas em muitos outros aspectos, como nos eventos musicais que foram criados e muito bem recebidos pela escola).

Após se passarem 5 minutos de muita conversa, pudemos escutar a vice-diretora pedir pelo silêncio, que prontamente foi atendido.

- Bom dia a todos! - saudou um um sorriso brilhante. - Como sabem, estamos com o ano praticamente fechado e nós, responsáveis pela monitoração da escola e dos alunos, resolvemos nos juntar num pequeno evento de parabenização por todos terem chegado até aqui! Sabemos que para muitos não é grande coisa, mas levando em consideração esses últimos anos, você conseguiram vencer muito mais do que algumas provas e intrigas. Vocês venceram uma doença e suas próprias dificuldades, receios e preconceitos! - uma pequena pausa foi feita e junto dela uma tremenda salva de palmas. A mulher com o microfone soltou um risada e olhei para minhas amigas, nossos olhos estavam marejados, somente cada um ali sabia por tudo o que passou. - Sendo assim... - o silêncio reinou novamente. - Sendo assim, esse é um pequeno presente de nós, educadores, para vocês, educandos! Esperamos que gostem e por favor, não desistam de seus sonhos! - outra chuva de palmas foi aberta, dessa vez cheia de gritos e assovios, todos em completo êxtase e cheios de alegria.

E então o evento finalmente começou: vídeos, fotos, frases inspiradoras e algumas apresentações da fanfarra da escola.
Todos pareciam se divertir e estarem saudosos, pois aqueles que já estavam no 3° ano do médio, já sabiam que aquele era o último ano nessa escola.
Eu me sentia nostálgica e com o coração quente, meus amigos não pareciam muito diferentes de mim. Aquele ano foi tão cheio de loucuras que eu jamais poderia descrever, era gratificante e triste saber que aquilo tudo logo mais não passaria de histórias que ficariam marcadas em nossas mentes.

Apesar de tudo, meus olhos inquietantes iam em direção a Lita todo o tempo; a mulher estava sentada num canto logo à frente das arquibancadas, juntos dos outros professores. Eu podia vislumbrar um sorriso leve preenchendo seus lábios e seus olhos tão enigmáticos brilhavam lindamente.

- Logo não vamos mais vê-la...
- Quem diria que iríamos sentir tanta falta dessa mulher sem nem termos a perdido ainda...

Meu coração se apertava dentro do meu peito, eu sabia que quanto mais os minutos passavam, mais perto eu estava de lhe dizer "adeus". Essa história sempre esteve fadada a esse final; algum dia eu iria embora, iria seguir minha vida, começar verdadeiramente a minha própria história, encontraria outros amores e tiraria ela da minha mente - somente não sei se seria capaz de tira-la do meu peito também.
E assim que eu fosse embora, ela também seguiria com a vida e esqueceria quem um dia foi Hernandus.
Eu sabia disso desde o início, jamais teria como ser diferente desse final e, sinceramente, eu já havia me acostumado com essa idéia.

Lita sempre foi e sempre será o maior mistério da minha adolescência, aquela que me motivou a escrever constantemente sobre si e seu jeito instigante de ser, suas falas ácidas e que muitas vezes machucavam, seu riso tão raro e contagiante, sua postura altiva e levemente prepotente, seus olhos que devoravam almas, seu perfume doce e viciante, seus abraços apertados e que ela difícilmente conduzia a alguém. Cada pequena parte delirante de si e que entrava em minhas veias como uma viciante droga que eu jamais poderia viver sem - mas que, inevitavelmente, eu teria de deixar em algum miserável momento.

Um suspiro pesado e audível foi solto por entre meus lábios, meneei minha cabeça tentando espantar os fantasmas daquela mulher e pude vê-la andar até frente do salão e assim tomar o microfone em suas mãos branquelas.

- Bom dia! - sua voz rouca adentrou meus ouvidos e pude escutar todos responderem em uníssono. - Agora vocês irão ver um projeto em que trabalhei e tive o prazer de receber uma ajuda muito essencial e especial... - seus olhos se encontraram com os meus, seus lábios continuavam com um sorriso ladino e preguiçoso. A mulher deu uma piscadela demorada ainda me olhando e logo voltou com seu discurso, eu tinha um sorriso contente nos lábios, sentindo minhas bochechas quentes. - Realmente espero que gostem do que fizemos, eu até diria que foi muito trabalhoso, mas quem fez a maior parte desse projeto foi minha ajudante. - ela soltou uma leve risada e voltou seus olhos em mim. - Talvez eu tenha me aproveitado um pouquinho a mais da sua ajuda do que eu deveria! - dessa vez ela tinha um sorriso com tom de malícia em sua boca, eu dei risada e revirei meus olhos em sua direção. A mulher abriu um sorriso maior com minha ação. - De qualquer forma, aproveitem o show!

Foi possível ouvir uma intensa salva de palmas, Lita voltou a andar e se sentou no mesmo lugar de antes, meus olhos ainda a seguiam e quando os seus se bateram com os meus, ela soltou outra piscadela com um sorriso radiante nos lábios, devolvi o sorriso e logo pude sentir outro suspirar sair do fundo de meus pulmões até meus lábios entreabertos.

O tal projeto - que básicamente consistía numa retrospectiva de todos os eventos, do ano passado até esse, em que alunos da nossa escola participaram; fosse numa simples interclasse, até um show de talentos frente toda a escola - era reproduzido no imenso telão preso na parede logo a frente das arquibancadas.
Eu podia notar a nostalgia que todos daquele estabelecimento sentiam assistindo aquela pequena apresentação - cercada de vídeos e fotos - mas, a verdade, era que meus olhos permaneciam em somente uma pessoa. A mulher em questão parecia feliz e orgulhosa pelo resultado final daquele projeto e vez ou outra dedicava um belíssimo sorriso em minha direção, apesar de logo voltar seus olhos para o telão.

Eu sabia que ela nunca sentiu e jamais sentirá o mesmo por mim. Eu sabia, desde o começo, que esse era um jogo perdido e eu seria a única a sair machucada dessa história. Eu sabia que ela tinha somente um pequeno carinho por mim, mas eu também sabia que eu a amava.

Droga!

Eu, realmente...

A amava.

E novamente, por aquela mulher, uma lágrima manchava minha camiseta tão límpida.

Olhos OceânicosOnde histórias criam vida. Descubra agora