XIV_Família

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Os sentimentos de Anne estavam livres.

Ela se sentia extremamente culpada por deixar sua tripulação correr riscos, podendo morrer a cada momento. Sua mente não pensava apenas em sua tripulação, também pensava em sua família que vivia nos subúrbios de Ebony, todos, normalmente, doentes, apenas conseguindo sobreviver de boa parte do dinheiro que Anne roubava e dava para eles. Seu pai, aquele que, no início, cuidava das despesas da família, havia sido morto, por engano, pelas autoridades locais. Sua mãe, de saúde fraca, vivia doente, na cama, sem poder fazer nada. Seus dois irmãos — um mais velho e o outro mais novo — tentavam ganhar a vida trabalhando em locais terrivelmente sujos, onde, infelizmente, ganhavam muito pouco e, quase sempre, ficavam doentes.

Então, ao ouvir a pergunta que Eduard fazia com escárnio, seus olhos brilharam expressando sentimentos que Eduard não sabia o porquê de uma pirata ter; medo, angústia, saudades, agonia... Vários sentimentos de uma só vez.

— Você vai, por acaso, responder o motivo de ter vindo para Ebony? — Questionou ele, pela terceira vez. Ele estava cogitando a ideia de amarra-la novamente no convés do Flaches Yasser.

Anne se ajeitou na cadeira, desconfortável e angustiada.

— Família. — Uma única palavra, que poderia ser tachada como inútil para alguém com um "trabalho" como o de Anne. Uma palavra que, se jogada no meio de uma conversa, não faria sentido nenhum. Uma palavra que poderia mudar o rumo da mulher que a falou. Uma palrava com um enorme peso sentimental. Uma palavra expressando pessoas que, mesmo na pior circunstâncias, ela não pararia de pensar e que faria qualquer coisa para salvar.

Uma palavra que fez Eduard travar. Seus pensamentos simplesmente pararam. Como poderia alguém como ela se preocupar com a família? Como poderia um pirata ter uma família? Perguntas sem nexo e resposta surgiam mais rápido que pensamento na mente de Eduard, que, sem entender nade, apenas encarava Anne.

— Sim, família. — Repetiu Anne, convicta. Ajeitou-se na cadeira, os cotovelos em cima do joelho e as costas curvadas, desse modo ficava mais confortável, encarando os pés. — Eu tenho uma família da qual cuido. Venho para Ebony todos os meses, ou, caso esteja longe, faço um intervalo de dois meses...

— Mas você...? — A mente de Eduard nem sabia o que ia perguntar, ele apenas começou uma pergunta sem ter ideia de fazê-la.

— Nos subúrbios de Ebony, é lá que vivem. Péssimas condições, minha mãe, quase morta, meus irmãos, sempre doentes. — Anne continuava a jogar informações, nesse ponto ela não se importava mais se era um aliado ou um inimigo, ela só queria sair dali viva, sabendo que sua tripulação e sua família estavam bem. — Além da minha família, também há a família de alguns outros... Maxwell ou Carter. Todos tem família, e se não tem, eles acham uma entre a tripulação.
Eduard tirou seus pensamentos de perguntas das quais Anne já havia respondido e encarou firmemente os olhos da ex-capitã, olhos que expressavam um brilho de lembranças tristes e de saudade.

— Devo saber de algum outro motivo? — Talvez ela só estivesse mentindo para ele, tentando fazê-lo ter compaixão e deixá-la escapar, porém, a história dela parecia realmente ser verdadeira, e não uma mentira ensaiada, tinha sentimentos demais.

Anne voltou seu olhar para o de Eduard, e o ficou encarando por um tempo. Certamente ele estaria desconfiando dela, a resposta era suspeita demais, então, querendo ou não, ela jogaria ainda mais informações verdadeiras sobre ele.

— Como eu disse, família. — Sua voz não vacilou, como se quando alguém conta uma mentira mal ensaiada. Com uma única frase, Eduard sabia que aquilo era mais que a verdade, o modo autoritariamente sereno do qual ela falou comprovou isso. — Alguns dos meus tripulantes não podem entrar na marinha por preconceito, um maldito de um preconceito que existe, e acabam levando uma vida desleal ao Império por não ter um jeito de servir em locais cheios de gente que só sabe se vangloriar de dinheiro. Alguns de meus tripulantes entraram na minha tripulação por pura necessidade, de modo a chegar até mim quase morrendo de fome, sujos e doentes. Você por acaso sabe o que é isso, Almirante? — Anne zombou ao fazer a pergunta, afinal, sabia que, dês do momento que Eduard tinha entrado para a marinha, ele tinha basicamente tudo de conforto que ele quisesse; um local para dormir ou para tomar banho, comida para o café da manhã, almoço e janta. O básico para sobreviver, diferentemente dos piratas, que, embora soubessem que era difícil entrar na marinha, ainda tinham que dar mais duro ainda para achar alguma comida, ou local seguro para ancorar.

O Almirante ficou quieto enquanto andava até o lado direito de Anne. Pegando-a pelo ombro, puxou-a até a entrada do armazém. Estava cansado dela falando e falando, então apenas iria deixá-la na sala onde a aprisionara, no entanto, dessa vez, não iria prendê-la por cordas nem pôr uma mordaça de pano em sua boca.

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