O Palácio Celeste

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A primeira coisa que eu senti foi o ar puro.

Era mais limpo e mais leve do que os arredores do Santa Maria, do que minha distante infância no subúrbio com os Lewis, do que Hogwarts. Era como se algo houvesse conservado aquele lugar do exato mesmo jeito que estava desde sua criação – cada folha, cada árvore, cada animal. Um salvaguardo congelado da aurora dos tempos, bem ali, em algum lugar de Wiltshire, Inglaterra. Firmei meus pés no chão, respirando fundo tanto para me recuperar da sensação detestável que a aparatação causara em meu estômago e cabeça, tanto para ter certeza que era real. Oh, ela era. E era forte. A magia cristalina fazia meus ossos tremerem e meus pulmões se expandirem, buscando mais. Era tão... perfeito. Do jeito que o mundo deveria ser, do jeito que um dia pode ter sido.

A floresta à nossa frente se estendia até sumir de vista. Quase parecia ter saído de um sonho, tão calma. O vento suave que cortava seus troncos antigos parecia sussurrar segredos de outras vidas e de outros tempos, com as folhas muito acima farfalhando como se dessem risadas. Estávamos parados em uma espécie de estação minúscula, mas bem cuidada, composta de uma plataforma e uma cabine aconchegante, onde consegui esticar para ver uma decoração em tons claros e elegantes de dois sofás e uma lareira. Fora isso, havia um único caminho de terra que começava, ou terminava, bem em frente a plataforma e seguia em direção ao provável único ponto alterado da floresta: um largo caminho de terra batida, se embrenhando no coração da mata.

— Estamos fora dos limites das terras Malfoy — Draco explicou ao meu lado, sua mão ainda na minha, apesar de já ter soltado a da mãe. Parecia estar com um humor melhor, mas eu também, então prestei atenção ao que dizia. — Meus antepassados construíram este lugar e os protegeram dos trouxas para visitantes e o resto da família poderem transitar pela propriedade, já que é impossível aparatar dentro dela — e apontou para o final da plataforma. — Um passo depois, você está no mundo trouxa.

— Imagino que não vamos para lá — murmurei, nem um pouco assustada ou tensa. Meus olhos se voltaram para a floresta outra vez, senti meus dedos crepitando, excitados pela magia pulsante ao meu redor.

— Não, é claro — Lucius concordou parecendo quase transformado. Pela primeira vez, consegui enxergar algo além de desdém venenoso em seu rosto belíssimo. Parecia calmo, com a mulher enrolada em um dos braços. Respirava várias vezes e, a cada uma, parecia rejuvenescer cinco anos – os olhos adquiriam um brilho estrelado que eu conhecia e os ombros relaxavam. — Iremos pegar um transporte para atravessar a floresta. O Palácio fica no coração dela.

E talvez esperando a deixa necessária, uma enorme carruagem surgiu da bruma que vagava entre as árvores. Estava sendo puxada por quatro garanhões lustrosos e fortes, todos de pelo tão alvo quanto a carruagem em si. Seus detalhes, porém, eram mais escuros que isso: a prata fazia a vez das bordas de seu contorno tanto como as atrelagens que prendiam os animais. O desenho do veículo era fluido e fino, sem deixar nada a desejar quanto a afirmação de dinheiro, se eu pudesse apostar que as bordas do grande brasão Malfoy pintado na porta eram de ouro liquido de verdade. Não havia ninguém para guiar e, mesmo assim, os cavalos pararam com calma e docilidade no momento preciso para que a porta ficasse na nossa frente. Lucius foi o primeiro a se mover, abrindo-a e ajudando Narcisa a subir pela pequena escada que se desenrolou.

— Vamos, crianças — ela chamou, mas não precisava, pois Draco já me guiava para o mesmo lugar. Isso não passou despercebido, nem o fato de que, apesar de termos soltado as mãos quando fiz meu caminho até o assento, ele se sentou ao meu lado ao invés do de sua mãe. Quando Lucius também entrou e ficou ao lado de sua mulher, a carruagem começou a andar com um suave puxão, os quatro garanhões fazendo a volta para retornarem ao caminho da floresta. No silêncio daqueles primeiros segundos, olhei em volta com meus lábios torcido em um sorriso. É claro que a carruagem não seria só uma carruagem.

Corona IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora