Time

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Time (n.): oxímoro maior de possuir sem possuir.

Samantha's pov

"Tic...tac...tic...tac...tic...tac...", o barulho dos ponteiros do meu relógio de pulso ressoavam em meus ouvidos quase como um pensamento próprio. Um pensamento que eu não queria ter. Tão cedo quanto veio a consciência do incômodo, tirei-o do pulso e o escondi debaixo da almofada marrom, ao meu lado.

Eu nunca havia gostado daquelas almofadas, minha mãe as havia escolhido por si própria e suas noções de decoração eram um pouco duvidosas, mas depois de longos anos convivendo com a existência delas, um relacionamento saudosista e afetuoso foi criado entre nós. Eu e as almofadas. Não haviam sido poucas as vezes em que, durante as férias, eu as havia jogado no chão e brincado de castelo de princesa, navio de piratas ou até mesmo dormido agarrada a algumas delas no sofá, enquanto assistia Barney na tv.

E elas continuavam ali, assistindo a minha vida acontecer. Agora não eram mais expectadoras das minhas reproduções de contos de fadas dos filmes de princesas, agora não eram mais o público para as minhas aventuras através dos mares imaginários que eu atravessava bravamente no meio da sala. Agora, elas eram expectadoras do meu conto de fadas real.

Ali estávamos... Eu e meu livro, as almofadas escondendo meu relógio e Deena e sua prancheta A3 e milhares de folhas de papel A3, computador e a mente brilhante que despejava brilho no papel através das mãos.

Depois de muito enrolar na cama o dia inteiro, Deena falou sério no meu ouvido sobre como precisava dedicar um tempo a um projeto importante e não demorou até que fui convencida de que precisava deixá-la trabalhar. De toda forma, não era como se eu não estivesse muito empolgada com a ideia de vê-la projetando tão de perto. Eu estava no primeiro ano de faculdade e minha experiência com projetos era mínima, mas eu sabia o quanto o momento de projetar era muito pessoal. Ver Deena Johnson projetando em um contexto tão íntimo, me deixava eufórica e quase me fazia esquecer que ela era minha namorada.

Ela havia insistido para que eu sentasse ao lado dela e acompanhasse o processo para aprender algumas coisas, mas senti-me intimidada e com medo de, talvez, invadir muito prematuramente uma área muito pessoal de sua vida. Afinal de contas, seu convite podia ser pura educação. Então, disse-lhe que iria terminar de ler um livro cuja leitura estava me deixando muito empolgada.

Dez minutos depois, estava sentada no sofá da sala de estar com um exemplar de "Você Pode Curar Sua Vida", encarando o número 17 no canto da página. Não era como se eu já tivesse lido um linha sequer daquele livro na minha vida, mas a biblioteca da casa de verão resumia-se ao livro de cabeceira da minha mãe. Por sorte, Deena já estava concentrada em seus papéis quando voltei com o livro nas mãos (balançando para não correr o risco de ela ver o título).

Mais ou menos quarenta minutos se passaram e eu ainda estava na página dezessete, mas isto por que, além de não estar realmente lendo, eu estava concentrada demais em observar Deena, então, mudar a página não era, nem de longe, uma prioridade.

Eu não fazia menor ideia de como era possível ela parecer tão comum e ao mesmo tempo tão incrivelmente diferente de tudo. Deena usava calças de moletom em cor cinza, uma regata branca que beijava seu busto, contornando seus seios que àquela luz, contornados de branco, pareciam maiores do que realmente eram e eu me senti eufórica por fazer aquela observação com tanta propriedade. Seu cabelo continuava preso em um coque, agora mais desleixado que antes. Os óculos em modelo gatinho, que antes tanto me desconsertaram, sentavam em seu rosto como a cereja no topo de um bolo belíssimo. Em uma contraposição total à imagem comum, mas linda, de Deena, estava o ar que ela exalava. Sua postura era impecável, provavelmente resultante de anos praticando a arquitetura e a consciência de que sentar incorretamente acabaria com suas costas. Sua concentração era tanta que nem percebeu quando me aproximei e sentei-me na cadeira ao seu lado.

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