♥ Capítulo Um ♥

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Charlotte


Mais um dia de inverno que posso ficar sentada na minha cama, lendo livros o dia inteiro enquanto como chocolates dos mais variados ou tomo uma boa xícara de chá, calçando meias confortáveis e vestindo pijamas com estampas. Amo esses momentos comigo mesma, me aventurar em mais uma história, seja ela de fantasia, romance ou até mesmo terror; esquecer os problemas e aproveitar uma bebida quente.

Adoro acordar e ver o céu cinzento do lado de fora da janela sabendo que esse dia em específico vai ser um dos melhores.

Levantei da cama sabendo que o resultado de quem passou na Universidade de New York sairá hoje às 14:15, estou tentando não ficar ansiosa, mas saber que o meu futuro será decidido em poucas horas me deixa nervosa, imagina só se o que venho esperando por mais de um ano não acontece?

Me inscrevi em outras universidades tanto aqui do Brasil quanto dos Estados Unidos, só que o meu real sonho é cursar Jornalismo na NYU, além de ser uma cidade que anseio conhecer, por saber o quão linda é, quero aprender mais sobre a cultura do país, aperfeiçoar o idioma e me formar no meu curso dos sonhos.

— Filha, você precisa se acalmar — diz minha mãe ao me ver balançar a perna insistentemente por baixo da nossa mesa de dois lugares na pequena cozinha.

— Não consigo — respondo colocando um pedaço generoso de bolo de chocolate na boca —, preciso saber o resultado logo.

— Mas meu amor, ainda tem Harvard, Columbia, além da UFPR aqui em Curitiba.

— Eu sei, só que Nova York é um sonho que está tão perto de se tornar real.

Sei que apesar da minha mãe apoiar a minha ida para outro país, teme por mim e não me quer longe.

— E você sabe que tem meu total apoio. — Ela pega minha mão por cima da mesa acariciando-a com o polegar. — Mas vai precisar esperar até às 14:15.

— Eu sei — digo em derrota ouvindo sua risada alta.

Depois do café da manhã corro para o meu quarto na tentativa de acalmar os nervos com um bom livro, o problema é que faz dias que estou tentando terminar o famoso Orgulho e Preconceito da Jane Austen e simplesmente não estou conseguindo gostar. Como que naquela época os casais nem ao menos pegavam nas mãos?

Meu outro problema é que não consigo desistir de ler um livro não importa se estou gostando ou não, sei que a vida é curta demais para desperdiçar lendo livros que não estou gostando, porém minha competitividade fala mais alto e eu nem mesmo estou competindo com alguém além de mim.

Equipada com um bom suéter caramelo, meias de girafa que tem até mesmo orelhinhas, me sento na cama com o livro em mãos pronta para mais uma guerra interna.


Ryan


When you feel my heat

Look into my eyes

It's where my demons hide

It's where my demons hide

Don't get too close

It's dark inside


(Quando você sentir o meu calor

Olhe dentro dos meus olhos

Onde os meus demônios se escondem

Onde os meus demônios se escondem

Não cheque muito perto

É escuro por dentro)


Fecho os olhos ouvindo a música que representa a pessoa que escolhi me tornar logo depois de aprender que posso decidir quem eu quero que as pessoas vejam.

Já faz quase três anos desde que sai do orfanato e até o momento penso se realmente foi a melhor decisão que tomei, porque, apesar da dor de saber que não tinha a família que desejava quando adolescente, sei que aquelas pessoas estavam disponíveis para mim em qualquer momento de necessidade.

Aos dezesseis arranjei emprego como assistente de um mecânico, ele não estava precisando de um, porém depois de tanta insistência da minha parte ele resolveu me deixar trabalhar pagando um salário razoável, guardei cada centavo durante os dois anos que trabalhei para ele para enfim poder sair do orfanato e pagar o aluguel de um apartamento barato.

Percebi que o que tinha não era o suficiente, então quando recebi o e-mail da NYU dizendo que fui aprovado decidi que seria melhor morar em um dos dormitórios da universidade que divido com Luke, a única pessoa em quem confio e que permiti se tornar parte da minha vida. Quando nos conhecemos ele não me fez perguntas, não quis me forçar a falar sobre as tragédias da minha vida, o que me fez levar ele em grande consideração.

Demons do Imagine Dragons toca alto nos meus fones de ouvido, o suficiente para que as pessoas a minha volta possam ouvir também, faço isso quando não quero contato com ninguém e muito menos prestar atenção aos meus pensamentos.

Mesmo vivendo com o medo de magoar alguém ou afastá-la da minha vida, ter pessoas a minha volta às vezes é bom e no orfanato eu tinha isso o tempo todo e hoje são poucos que permito atravessarem a minha barreira.

Estou no metrô indo para o meu dormitório que fica em Manhattan, onde se localiza a sede principal da NYU, decidir morar em um desses prédios foi bom porque não tenho que me preocupar com contas para pagar, o que significa que posso guardar a maior parte do dinheiro que recebo, além de não ter que pegar o metrô as cinco da manhã para chegar na aula a tempo, o lado ruim, porém, é a falta de privacidade, Luke é uma pessoa que não consegue se manter longe do espaço pessoal das pessoas.

Estudo música, ela me faz expressar o que guardo fortemente dentro de mim, me faz extravasar qualquer sentimento que esteja me afligindo, é meu único lugar de escape.

Não penso em me tornar um cantor famoso ou criar uma banda de garagem como sei que muitos fazem, escolhi o curso porque é o que me faz esquecer o que minha vida um dia foi, porém confesso que de vez em quando a uso para gritar toda a dor que sofri a anos atrás.

Não tenho ideia do que vou fazer quando terminar o curso, mas vou pensar em alguma coisa, eu sempre penso.


Livros, Música e Nova York - (Resilience Livro I) [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora