Capítulo 16 - Inédito

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Escuto um som de algo caindo no chão. Deve ter sido algo da pilha de roupas que deixei em cima da cadeira. Resmungo, cobrindo o rosto com o lençol, porque era bem possível que eu nem levantasse da cama hoje. Ignorei, também, a minha bexiga estourando de xixi. Eu só saio dessa cama com um decreto oficial assinado por um juiz.

Ou melhor...

Talvez nem com isso eu me levante. Se me levassem para a prisão por descumprir uma ordem oficial, eu simplesmente dormiria no caminho para a delegacia e, na cela, continuaria dormindo até o dia do meu julgamento.

Escuto novamente o barulho. Outra vez, e outra vez, e outra vez. Mas que droga, roupas caindo no chão não faziam tanto barulho! Nem mesmo duras de sujeira como deviam estar.

— Mas o que...

Sou obrigado pelo meu corpo a levantar. Pensei estar delirando, pois vi Charlie, parado diante da minha estante de livros, derrubando um por um no chão. Me toquei que era real quando esfreguei os olhos e ele ainda permaneceu lá.

— Ei, são meus livros! — eu digo, horrorizado por vê-los esmagados numa pilha junto de outras preciosidades.

— Não ligo — ele fala, derrubando mais um.

— Vem cá, como você entrou na minha casa? Mamãe nunca te viu, nunca que ela deixaria...

Ele olha com bastante excitação para a minha janela toda arreganhada, então entendo tudo.

— Claro — eu digo. — Sai daqui! Eu vou voltar a dormir.

— Mas hoje é sábado, chuchu.

— Exatamente, sábado com S de sem aula.

— Esse S também tem em "aniversário".

Ele disse. Por um momento eu tinha realmente esquecido que hoje é o dia do meu aniversário, o dia dos meus tão aguardados dezoito anos. Seria um dia bom com Nat e Matheus. Eles estavam planejando uma festa surpresa para mim e eu estava planejando a minha cara de surpresa para a minha festa surpresa. Mas, não tinha notícias de Matheus desde aquele dia no colégio e Nat, bem, Nat tinha ido passar o fim de semana na casa de uma tia no interior, para esquecer de tudo que aconteceu.

Da minha paixão por Matheus. (                   X X                   ). Da paixão dela por Matheus.

Parecia até que o dia não era meu.

— Olha, eu não me lembro de ter te ensinado a soletrar nas nossas aulas — eu falo, me deitando na cama e me cobrindo novamente. — Valeu, mas eu tô passando esse dia tão glorioso.

Eu digo e logo escuto mais um livro cair no chão. Me obrigo a levantar-me novamente.

— Você quer parar com isso? — eu digo, falando sério.

— Você quer levantar da cama? — ele responde com outra pergunta.

— Não.

— Então, não.

— Você não tem, sei lá, carros para consertar, irmãos para cuidar, alguém pra jogar na lixeira, ou um rosto para socar? — eu pergunto.

— Você me acha mesmo um estereótipo humano, não é?

Ele sorri sem olhar para mim. Por um momento um lapso de sorriso aparece em meus lábios. É que o sorriso de Charlie era muito bonito, embora muito raro de se ver.

— Não vou deixar você passar seu aniversário numa cama dentro de um quarto sujo — ele diz e eu me sinto ofendido.

— E o que você vai fazer?

Eu pergunto e ele se joga na cama, relaxadamente, como se fosse um costume habitual matinal invasivo.

— Eu vou te fazer esquecer o Matheus.

Ele me diz, olhando para o meu teto recheado de estrelinhas de plástico fluorescentes. Comprei um monte para ter uma distração nos momentos que eu passasse a procurar respostas no escuro.

— Esse dia não se resume só ao Matheus. A Nat também faz parte dele — eu disse, sem graça pelo nome do Matheus ter surgido na conversa sem ter sido mencionado por mim.

— Ah, é — ele olha para mim, com um sorriso angelical. — Dela também.

Ai, meu Deus, eu pensei que a dona Girafa que morava dentro da minha barriga tinha morrido por falta de atenção. Agora, nesse momento, ela parecia dançar samba com uma passagem para Madagascar na mão.

Estava acontecendo de novo. A confusão entre sorrir ou gritar, fugir ou ficar, olhar ou fingir demência. É a mesma sensação do dia do nosso primeiro beijo, a mesma de alguns dias atrás.

Eu só tinha que deixar o zoológico que morava dentro de mim fechado para visitação. É que, geralmente, os visitantes ignoravam a placa de "Não alimente os animais".

— O que você planejou?

Ótimo.

Enquanto Amei Você, Matheus (Físico)Onde histórias criam vida. Descubra agora