Capítulo 01- Meio Estranho, Meio Louco.

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É muito clichê começar uma narrativa com "Acordei às sete da manhã"? Porque se for, que fique logo sabendo, abre aspas, eu sou uma pessoa tipicamente clichê e exageradamente dramática, fecha aspas. Eu já passei por todas as fases possíveis que alguém pode passar nessa vida. É sério. Eu fui desde Avril Lavigne até Rouge, passando por Rebelde e tendo uma perna jogada lá em Manu Gavassi e Clarice Falcão. Agora eu escuto de tudo. Dependendo do dia e do meu humor, a música perfeita vem do aleatório. Eu sou do tipo de pessoa que ainda baixa as músicas no celular, porque, praticamente, não se dá bem com tudo de moderno hoje em dia.

Onde já se viu pagar para ouvir música? As pessoas esqueceram o YouTube?

Eu sou tão normalmente psicopata que imagino coisas que não aconteceram e, provavelmente, seriam pouco prováveis que acontecessem, e é esse "pouco provável" que me abre infinitas possibilidades de pensar que, SIM, pode acontecer, só é muito difícil.

Tipo, quando eu estou no ônibus e penso que se eu deixar o celular um pouco mais acima da dobrinha da janela ele vai cair e ser estraçalhado por um caminhão, do lado do Ônibus, quando na pista em que eu estava isso seria matematicamente impossível.

É tipo ter a certeza de que não há nada debaixo da sua cama, mas olhar só pra certeza da sua certeza ficar certa de que não tem mesmo.

— Para de gravar, Lica!

Grito para minha irmã de onze anos que estava segurando uma câmera, me gravando lutando para levantar da cama enquanto o alarme soava maluco, sem parar. Lica pretende fazer um álbum com o passar do tempo. Tipo Ed Sheeran em Photograph. O lógico seria começar por ela.
" Talvez ela ganhe um Emmy como melhor série documental quando crescer". São coisas que eu penso enquanto passo horas na privada do meu banheiro não fazendo absolutamente nada lá.

Recebo no celular uma mensagem de Nat, minha amiga desde o sexto ano. Eu conto tudo para ela.

Não temos segredos. Não cabe em nossa relação.

Nat Xuxuzinho <#:
Jamie, Matheus e eu vamos ao cinema
mais tarde.
Quer ir junto?
Diz que sim, please!

Ou pelo menos quase tudo.

Nat não sabe que eu sou desesperadamente apaixonado pelo namorado dela. Matheus é o tipo de cara que qualquer um se apaixonaria. Não pelo porte físico, mas pelo o que ele é. Acho que não existe uma palavra certa para descrevê-lo. Acho que vou ter que inventar uma. Não estou sendo verdadeiro quando Matheus encosta em mim sem querer e eu finjo não me importar. Não estou sendo claro quando fico com ciúmes e digo que minha irmã me irritou para não falar do amor platônico que sinto por Matheus. Ele é uma mistura boa de tudo que eu gosto. Ao menos consigo disfarçar bem. Ele nunca nota que eu coro e desvio olhar a cada vez que ele me olha, nem que eu não consigo parecer normal quando estamos sozinhos.

Geralmente invento uma desculpa qualquer e fujo para evitar isso. Não sei se me controlaria se estivéssemos sozinhos. Quando estou sozinho, estou vulnerável, e todos os meus segredos são revelados através do meu olhar. É só você reparar bem.

Eu poderia ficar um dia inteiro dizendo porque eu o amo tanto, mas aí eu perceberia não ser suficiente e passaria um ano inteiro falando.

Conheci Matheus no oitavo ano. No dia que eu ia contar para Nat que eu o amava, ela se adiantou e disse o que eu sentia como se fosse sentimento dela. Eu lembro de ter flutuado sobre eles enquanto aquela música romântica tocava na festinha de fim de ano. Não posso dizer a Nat que morro um pouco cada vez que os vejo juntos. Seria o fim.

Jamie:
Acho que não vou poder
Tenho que estudar Física
Acho que vou repetir
Help-me!

Se eu fosse descrever Nat, ela seria a junção de todas as músicas de pop rock que escutamos juntos. Ela simplesmente sabe ser natural. Não força situações, não finge ser outra pessoa. É transparente e intensa. Carrega consigo um peculiar sumo agridoce na alma. Não é uma heroína de novela, mas também não é uma vilã. Nat é apenas Nat.

Me apronto rápido para o colégio e respiro ao lembrar que tenho que entrar no meu personagem quando ver Nat e Matheus juntos.

— Ok. Agora você é o Jamie, melhor amigo de Nat, que não é apaixonado pelo namorado dela.

Matheus </3:É bem capaz de que eu chegueno colégio empregado!Me deseje sorteeee (;

Leve parada cardíaca.

Pisco para meu reflexo no espelho e saio, tendo uma leve sensação que meu outro eu ficou parado olhando para mim com uma cara de "a quem você está querendo enganar?"

Desço, dou um beijo em dona Marisa, agarro uma maçã, aliso meu cachorro e dou dedo para a câmera de Lica antes de sair de casa, mas escuto ela reclamar para mamãe, que grita:

— Não dê dedo para a sua irmã, Jamie!

Eu sorrio, percebendo que o dia realmente tinha começado.

— Não devia deixar ela comer tanto açúcar de manhã!

Lica mostra sua língua e eu devolvo à altura. Essa é a minha família. Um pouco disfuncional. Mas qual não é?

Saio. O escolar já estava na esquina. Corro e dou a mão quando ela se aproxima. Com certeza lotado de gente. Praxe. Entro no ônibus. Por um minuto eu tinha me esquecido das pessoas. Eu contei que eu tenho um outro pequeno problema? Eu talvez tenha um pouco de girafas na barriga. Talvez umas três. A maioria das vezes em que eu me deparo em situações sociais bobas, como as de agora, eu entro em um pequeno estado de desespero total. Minhas mãos ficam trêmulas, minha barriga corrói por dentro e eu sinto meu rosto ficar frio.

É angustiante ter que se esconder das visitas lá de casa. Teve uma vez que houve um almoço com alguns familiares e eu fiquei com tanto medo que me prendi no banheiro o almoço inteiro. Inventei que não estava me sentindo bem apenas para não cumprimentar meus tios e meus primos que eu não conhecia. Então, sim, isso é um pouco sério.

É como se eu estivesse frente a uma turma inteira tendo que apresentar um trabalho, mas tudo que você tinha decorado some da sua cabeça e as pessoas estão à espera que eu diga alguma coisa, mas eu não vou dizer. Nunca.

— Vocês viram como ela acena para o ônibus? Tão delicada quanto uma princesa.

As pessoas começam a rir. Esse é Charlie, o imbecil da nossa turma. Ele é preconceituoso, machista e autoritário. E idiota. E escroto.

O interessante é que Charlie namora Yolanda, a garota mais inteligente da nossa turma. Só ela mesmo para aguentar tamanho crápula que ele é. Com ela por perto, ele suaviza nas piadinhas sem graça. Até porque o olhar dela mata dezenas numa tacada só. O meu terror é quando Yolanda não está por perto. Faço hora extra no inferno sem direito a intervalo.

— Escuta, Jamie. Qual o tamanho da sua vagina?

Sinto minha boca secar e minha respiração ficar pesada. As pessoas riem como se isso fosse realmente engraçado. Tudo que consigo fazer é me virar e me encostar em algum lugar para que eu não caia do Ônibus, mas logo sinto uma mão apertar minha bunda e risos vindo do fundo. Ignoro. Graças a Deus, uma garota desce do ônibus e então posso me sentar em seu lugar. Já, já eles esquecem de mim. É assim que acontece. Quando o brinquedinho não funciona, eles voltam ao habitual: falar mal das meninas com quem já transaram. A verdade é que não sei nada sobre Charlie. Só que ele tem ascendência asiática e trabalha na oficina do pai depois do colégio. Apenas. É o que todo mundo sabe.

Encosto minha cabeça no vidro da janela e me pergunto o porquê de eu ainda andar nesse ônibus. Talvez não queira entregar os pontos e confessar que sou um completo fracasso social.

Eis que em uma das paradas do ônibus, eu vejo uma cena que me deixou realmente intrigado. Era Yolanda e outro garoto perto de um café. Eles conversavam e sorriam. Por mais que eu tivesse tentando, não consegui ver o rosto do garoto. O sinal abriu e antes do ônibus partir, foi rápido, mas eu pude jurar que vi os dois se beijando. Milhões de fofoqueiras morreram nesse momento. Nesse mesmo instante, olhei para Charlie do outro lado do ônibus, fazendo coisas idiotas com seus amigos idiotas e nem se dando conta de que estava sendo traído idiotamente.

Se bem que esse conceito "traição" não se aplica quando se trata de Charlie. Yolanda deve ter se cansado de seu jeito escroto de ser.

Eu sorrio. É triste, mas estava me sentindo vingado.

Meu lado passivo-agressivo, pelo menos.

Enquanto Amei Você, Matheus (Físico)Onde histórias criam vida. Descubra agora