Suas bochechas

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Ray não era do tipo sociável, toda Grace Field sabia disso. Ele costumava ficar sempre nos cantos, lendo na maior parte do tempo, poucas vezes visto conversando com alguém.

Por isso, não era surpresa vê-lo debaixo da árvore de sempre, sentado sobre a grama lendo tranquilamente. Verdade seja dita, Ray era um completo antissocial e Don até o chamava de emo. Ele não ligava, não estava nem aí para os comentários, sua mente estava ocupada com outras coisas, preenchida com preocupações que eles nem sonhavam que existiam.

Seus dedos viraram a página do livro no exato momento em que um sorriso discreto surgiu em seus lábios.

— Olá, Emma. — ele disse, com um toque de humor na farpada.

A garota em cima da árvore ficou com uma expressão de surpresa cômica, depois se pendurou pela panturrilha de cabeça para baixo para olhar para ele.

— Nunca consigo pegar você de surpresa! Como você sempre sabe? — ela reclamou, fazendo um biquinho emburrado.

— Você não é exatamente discreta, Emma, faz barulho demais. Além do mais, não consegui ouvir seus gritos e risadas por aí, então você estava escondida. — listou o de cabelos escuros, pontuando cada item que era como uma seta atingindo a cabeça de Emma. — E é melhor não ficar de cabeça para baixo assim por muito tempo, vai ficar tonta.

Emma bufou e se soltou do galho, fazendo uma pequena cambalhota no ar para pousar em segurança na grama. Ela curvou o corpo para tentar visualizar o conteúdo do livro no colo dele.

— Nee, Ray, o que você está lendo?

— É sobre psicologia reversa. Funciona muito bem com você e Don. — Ele deu um sorrisinho insolente que transformou o rosto dela em uma careta quando entendeu a cutucada.

— Ei!

— Se quiser ler, senta aí. — disse em tom despreocupado, deixando a sugestão no ar. A companhia de Emma não era desagradável para ele, apesar de ter dores de cabeça constante com seus gritos, memória fotográfica podia ser um porre.

Ela sorriu com a possibilidade de passar um tempo com ele, Ray era muito reservado, sempre na dele. Se ele deixava um espaço para você, era sensato aceitar na hora, antes que ele mudasse de ideia. Ficou feliz que ele considerasse sua presença agradável o suficiente para deixá-la ficar ali.

Se sentou ao lado dele e leu as palavras meio por cima do ombro dele, ela percebeu que ele passava as páginas um pouco mais devagar do que antes, acompanhando seu ritmo de leitura. Ray era na dele, não ruim. Ele não era insensível nem nada do tipo, apenas expressava suas vontades e opiniões mais por ações do que por palavras. Ele não era do tipo que te consolaria com palavras bonitas, ele se sentaria ao seu lado e ficaria ali até que você conseguisse se reerguer, te abraçando se achasse necessário. Emma gostava do lado carinhoso dele, que era poucas vezes visto. Quanto mais velho você fosse, mais discreto ele era, com os pequenos ele demonstrava grande cuidado, e com os mais velhos era uma coisa mais sutil, que você dificilmente repararia se não prestasse atenção.

E Emma prestava atenção. Ray era o melhor amigo dela desde sempre, junto com Norman. Não sabia de onde a amizade tinha surgido, se era porque eram da mesma idade ou porque ela sentiu que ele parecia um tanto solitário e ela quis sua amizade. Seja o que fosse, ela não queria se separar nem dele nem de Norman nunca, nunquinha mesmo. Não queria ser adotada, e bem no fundo, por mais que não admitisse, queria que eles também não fossem para que pudessem ficar juntos para sempre.

Ray se sentia inquieto, Emma estava o encarando há bons minutos, tendo parado de ler para apenas fixar seu olhar nele. Ele achava que não era do tipo tímido, mas não dava para ignorar um olhar tão longo.

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