O vento fazia as vidraças das janelas baterem e rangerem, o dia estava ensolarado assim como os anteriores característicos da estação, o farfalhar de roupas e murmúrios abafavam os sons dos pássaros que retornavam de suas migrações anuais, era impossível não ouvir o tilintar de pratos de porcelana e dos talheres de prata por toda a parte, ecoando pelos inúmeros corredores interligados como um grande labirinto fechado, onde a noite podia facilmente se perder sem as lamparinas para guiar o caminho, um feixe de luz solar esquentou minhas bochechas, me remexi sentindo os lençóis de seda sob minha pele, que se enrolavam em minhas pernas conforme me esticava, levei as mãos até o topo da cabeça, sentindo os fios se entrelaçando por entre os finos dedos, abri os olhos encarando o teto, criando coragem para enfim me levantar.
Eu estava extremamente exausta, meu corpo dolorido pelo esforço dos últimos dias, mal podia sentir meus pés que algumas vezes se anunciavam com uma leve pontada e um latejar quase insignificante, com a lembrança das caminhadas infinitas pelos arredores do palácio. Eu sabia que não estava exercendo uma tarefa propriamente minha, porém estava tão empolgada quanto qualquer um, me esforçava ao máximo na supervisão da decoração e dos criados, analisando cada centímetro dos enormes salões tendo a certeza de estar tudo em ordem. Pela primeira vez em muitos anos teremos um baile, em comemoração ao meu décimo oitavo aniversário, muitos nobres virão de todos os cantos do país e alguns de nossos aliados internacionais.
É uma data importante já que com a chegada da maioridade poderei ser enfim coroada, espero por esse momento desde que passei a estudar sobre o meu povo quando pequena, desde os primeiros anos em contato com as cidades ao redor, desde a última vez em que vi meus pais. Quando pequena, mal podia esperar para ter a chance de fazer a diferença, entretanto, eu cresci e percebi que são muitas as reponsabilidades de uma rainha, ainda quero governar e talvez ter meu lugar ao sol mas me sinto apavorada de não atingir as expectativas.
Eu fui criada para isso, cada dia da minha vida fui preparada, ensinada a comandar e assumir minhas responsabilidades hereditárias, um calafrio surgiu por toda a minha espinha. Meu delei com o futuro me desamparará, meus olhos focam novamente no teto, viro lentamente minha cabeça para o lado, vejo as leves cortinas esvoaçarem com a brisa gélida que as carrega, o sol nascendo dando um tom alaranjado ao céu, as nuvens em tons rosados e arroxeados, dou um meio sorriso, o dia parece estar lindo, mas sei que nada tirará de mim esse nervosismo que estou sentindo. Sempre fui muito reservada, nunca gostei de ser assistida e observada, de falar com inúmeras pessoas e estar em volta de um ambiente levemente caótico, ao meu ver, quando se tem várias pessoas em um único espaço, ter consciência de que enfrentaria a tudo que me deixa desconfortável em uma única noite, me deixava aflita.
Eu não quero levantar, não consigo levantar, algo em meu âmago não me permite usar as pernas para sair dessa cama, por mais preparada que eu tenha sido, ainda não me sinto pronta, estou com medo de decepcionar a todos, que estarão me vigiando com seus olhares julgadores e esnobes, os nobres já deixaram claro o suficiente que me acham fraca, e ingênua, parte por ser mulher e outra por ser tão nova, mas sei que o segundo motivo encobre o desejo de um casamento. Serei a primeira mulher a governar meu país, tal fenômeno já ocorreu em outros lugares do mundo mas apenas em países insignificantes o bastante para não serem lembrados, os nobres não querem uma mulher para governar, em outras palavras menos sábia, alguns trazem acordos de matrimônio para mim mensalmente, mas de maneira óbvia esses acordos incluem seus herdeiros.
Suspirei pesadamente fechando os olhos, e assim fiquei.
Ouvi passos pelo corredor, apressados e firmes, não demorou pedirem permissão para adentrar ao quarto, permiti, impulsionando meu corpo para cima e finalmente abrindo os olhos, a maçaneta girou fazendo um pequeno ruído, as portas foram abertas e três figuras caminharam graciosamente até o pé da cama, lá estavam minha governanta, Lucy, a mais velha cuja expressão enrugada era séria e impassível, junto com suas auxiliares, Malena e Marilyn, jovens lindas mas extremamente magras e pálidas, os cabelos escuros e quebradiços sempre enrolados em um coque, os rostos neutros e o olhar opaco, descobri seus nomes após uma semana de sua serventia, quando as ouvi conversarem na cozinha, as duas se assustaram ao me ver e ficaram nervosas comigo naquele ambiente, não é adequado que uma princesa desça até a ala dos criados, e por isso levei uma intimação do professor de etiqueta real.
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Lagrimas de ferro
Historical Fiction''- Fui criado para faze-la se apaixonar por mim'' ''- Confesso que se eu fosse a mesma garota ingênua, certamente seria assim, do jeito em que fingiu ser amável, condescendente e um excelente cavalheiro, sempre me manipulando com palavras gentis e...