"(...)o Agni, nosso fogo digestivo, realmente tem as qualidades de uma fogueira. É quente, aromático, seco, penetrante e leve. Com líquido frio ele se apaga, com alimento em excesso é abafado, e se está forte demais termina rápido, reduzindo tudo a cinzas." (samatvayoga.com.br)
"Agni, pare de brincar com fogo!"
Uma vozinha dentro da minha cabeça me dizia para largar o palito de fósforo aceso e sair imediatamente daquele chalé de madeira, a uma altura de 1400 metros, numa cidadezinha alpina de nome Chamonix, na França.
— E Jacob? — Uma outra voz combinada a uma força movendo os meus braços me impedia de sair correndo, me obrigava a continuar. — Ele precisa pagar pelo que fez.
Naquele momento, o choro de Raquel pedindo a Jacob que parasse tinha cessado no quarto ao lado. O homem de quase quarenta anos tinha se satisfeito e roncava feito porco há alguns minutos. No silêncio da montanha, eu ouvia o arfar de bigorna de alguém que comeu mais do que a barriga podia suportar. Raquel tinha apenas quatro anos e ele a idade do nosso pai. Jacob nos atraiu para dentro do chalé, dizendo que mamãe estava lá e que nos chamava. Eu e a minha irmãzinha acreditamos nele e entramos, porque aquele era nosso vizinho e se entendia bem com a nossa família. Ele saltou primeiro sobre mim, depois sobre Raquel.
— Preciso agir! — pensei, olhando de um lado para o outro, o fósforo aceso na mão. — Ele não pode continuar impune.
O meu corpo jovem caminhou pela cozinha do chalé, ignorando o eco da lembrança do choro de Raquel. Minha irmãzinha. Eu balançava a cabeça, os olhos tão vidrados na tarefa em minhas mãos que eu não ouvia coisa alguma ao redor.
— Rápido, rápido, rápido. — Os meus olhos buscavam com pressa, indo de um lado para o outro, até encontrar... — Álcool! Perfeito!
Em minha cabeça, a consciência se transformou na sirene de um trem que anda mais rápido do que os trilhos podem suportar. Uma sirene que prevê algo terrível que está para acontecer.
Eu não escutava. Precisava agir.
Apanhei o álcool e comecei a espalhar por todos os móveis de madeira daquela cozinha até a porta do quarto. Pouco antes, eu também fora vítima de Jacob e agora ele ia me pagar.
De leve, abri a porta do quarto, cuidando para não fazer barulho.
— Raquel! — Ao ouvir a minha voz, ela, que estava encolhida num canto, levantou-se e correu até mim. A peguei pela mão e a puxei para fora.
Sua vozinha murmurou.
— Uh.... — Um ronco mais forte escapou pela porta do quarto, nos fazendo congelar no mesmo lugar. As duas cabeças viraram. Levei o dedo indicador aos lábios e guiei nós duas o mais rápido que pude .
Passamos pela cozinha de madeira até a porta de entrada da frente, na qual parei. Apanhei o fósforo e deixei cair sobre uma mesa. Eu observava os olhos de Raquel vidrados enquanto o fogo propagava-se, instantâneo.
O momento durou para sempre nas nossas memórias.
Passamos pela porta de entrada em direção à floresta densa de pinheiros e coníferas em pleno outono. O tempo estava frio, propício a neve. As árvores tinham um tom amarelo-avermelhado, dando a impressão de que a floresta inteira estava em chamas.
Algo brilhou entre os pinheiros, sobre um arbusto.
— Por aqui! — Arrastei Raquel. — Abaixe-se e fique quieta. Eu já volto!
— Onde vai? — Ela segurando a minha mão.
— Jacob não vai demorar a acordar! Preciso impedir que ele saia. — E corri de volta para o chalé.
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Mandala de fogo
AcciónEste livro foi o mais baixado da Amazon em abril. Agni vira influencer para ajudar criminosos porque ela própria sabe que é uma. A verdade é que após se envolver num incêndio Agni acaba matando a mãe quando ainda jovem. Quando ela vai presa por ter...