Não conseguia nem mensurar o quanto era mais agradável ficar costurando e bordando do que limpando o teatro Tragedi. Por favor, não me entendam mal. Eu amava cada canto daquele lugar, mas era uma sensação completamente nova e revigorante saber que o meu trabalho seria muito mais reconhecido como arte do que como mera obrigação.
No dia seguinte à conversa com Lana, cheguei mais cedo ao Tragedi e iniciei algumas atividades da limpeza. Em seguida, troquei de roupa e logo estava impecável para apresentar-me à oficina de costura. Não havia tido tempo de conversar com Olena e Hector a respeito dessa reviravolta, mas torcia para ter um intervalo e explicar-lhes rapidamente o que havia acontecido, o que não aconteceu até o fim do dia.
Mas vamos por ordem cronológica: primeiro, Lana Meyrick já estava aguardando toda a equipe de costura na oficina, exatamente na hora marcada. Hoje, seu vestido era lilás, mas o batom continuava vermelho, embora em um tom mais fechado que o do dia anterior. Ela deu algumas orientações em particular para cada um das costureiras e, quando chegou a minha vez, ela trouxe uma caixa de papelão repleta de peças delicadas.
- Rendas soltas, miçangas faltando, bordados incompletos. É tudo seu, Darnella. - espantei-me ao ver que ela ainda lembrava-se do meu nome. Lana despejou mais informações, colocando a caixa em cima da mesa de trabalho que escolhi para ficar - Naquele armário ali você encontra todo o tipo de material imaginável para concluir cada peça. Se precisar, descosture, refaça tudo o que for necessário. Dentro da caixa, por baixo de todas as peças, há um caderno com croquis. Divirta-se.
E saiu da sala, como se flutuasse. Depois de alguns instantes, quando eu havia começado a tirar algumas roupas da caixa para analisar e procurar o tal caderno, Inês levantou-se da mesa e veio falar comigo. Ela parecia empolgada e brava ao mesmo tempo. Eu devia ter imaginado que teria que responder a algumas perguntas, afinal, eu tinha aparecido ali de repente, apenas um dia depois de ter colhido com ela as informações sobre a necessidade de mais funcionárias no setor.
- Como assim? O que você está fazendo aqui, Darnie?
- Bom... começaram a correr boatos, Inês. Você mesma falou comigo. E eu limpo salas, então eu meio que vou escutando tudo o que dizem, entende?
Ela não pareceu acreditar de imediato, mas assentiu com a cabeça e disse:
- Então, seja bem-vinda. Você vai ter muito, mas muito trabalho mesmo.
E eu não tinha dúvidas disso. A parte da manhã toda consumiu-se em uma única peça, um longo vestido bege de brocado, com a gola bordada em pérolas totalmente esfacelada. Conta por conta, fui reconstituindo o bordado e reestruturando tudo, sem deixar de aproveitar para inserir mais algumas pequenas pérolas nas mangas, criando um detalhe a mais no vestido por conta própria. O trabalho era silencioso e todas as costureiras na sala respeitavam essa regra, contribuindo para a concentração total no serviço.
Perto da hora do almoço, eu, Inês e mais uma moça a qual eu não sabia o nome, éramos as únicas trabalhadoras presentes na sala. Eu já havia deixado o vestido de lado e organizava algumas agulhas, preparando-me para aproveitar a hora livre a que tinha direito limpando mais um pedaço do teatro. Lembrei-me que não era essa a recomendação de Lana, mas até eu conseguir me livrar da função, precisava tomar conta dela mesmo que escondida.
Quando levantei-me de minha mesa, a porta da oficina se abriu. Primeiro um balde, depois uma vassoura passaram pela abertura. Em seguida, um rodo. Por fim, um pequeno carrinho de mão com produtos de limpeza. Olena.
Seus olhos esquadrinharam o local e pousaram em mim. Sua expressão era calma, mas pela faísca que seus olhos transmitiram, logo soube que ela estava furiosa comigo.
- Ah... então é aqui que você estava o tempo todo. E nem está usando o uniforme!
O tom de voz que ela usou foi afiado. Alisei, sem graça, o meu vestido, quando ela mencionou a falta do uniforme de limpeza. A moça que eu não sabia o nome levantou-se e retirou-se da sala. Agora, éramos Inês - que ainda não levantara os olhos da calça masculina azul marinho que remendava -, Olena e eu ali.
- Desculpe, Olena. Eu não tive tempo de contar a você e a Hector. Mas consegui uma vaga aqui, ontem mesmo. Não é o máximo? - tentei soar animada e displicente.
- Ah... então era atrás da Lana Meyrick que você estava indo ontem, não é mesmo? - ela começou a frase com o mesmo tom de voz novamente. Senti-me corar. Inês parecia impassível, mas eu sentia que ela estava atenta à conversa. Olena não parecia nem um pouco preocupada com ela - Se formos pensar, você estava mesmo vindo dessa direção quando nos encontramos no corredor.
Fiquei em silêncio. Estava nervosa, mas por que raios eu devia alguma satisfação à Olena? Ela era minha amiga próxima, mas aquela sensação de que tinha sempre que a carregar para todo canto começava a me irritar. Por que ela não procurava seu próprio rumo sozinha? Até quando eu seria responsável pelo que ela fazia ou deixava fazer? A impaciência tomou conta de mim.
- Se formos pensar, você não tem nada a ver com isso. - A boca dela se abriu em descrença. Eu raramente era grossa com alguém, muito menos com ela.
- Ok, Darnie, até quando você vai fazer essas coisas? Aonde exatamente você quer chegar?
Agora, Inês já tinha levantado a cabeça e não escondia que estava prestando atenção em tudo. Eu tinha a leve impressão de que ela estava do lado de Olena, pois ambas me encaravam como se esperassem uma resposta convincente.
- Ao topo - respondi, e me dirigi à porta, com passos firmes.
Olena não tentou me bloquear, então passei por ela apressada. Que ódio! Cega como estava, nem percebi que meus pés me guiavam sozinhos Tragedi afora. Não estava prestando atenção aonde ia, até que trombei com Hector no corredor que guiava ao pátio externo, que ficava nos fundos e era o local em que ocorria o desenvolvimento de cenários.
- O que foi? - perguntei rispidamente - Vai me julgar também? Vai falar que eu não deveria ter corrido atrás do que eu queria?
Ele não pareceu entender.
- Opa, calma aí, Darnie. O que está acontecendo? - Ele segurou-me pelos ombros - Posso te ajudar? Quer falar o que está acontecendo?
- Olena está acontecendo! - não consegui me acalmar - Ela acha que é... ela acha que é a minha sombra! Veja bem, Hector, eu a adoro. Mas eu não tenho que levá-la por todos os cantos. Eu tenho uma nova função nesse teatro. E não é por isso que ela tem que ter também.
- Uau... isso foi... forte. Eu realmente não sei o que dizer.
Aquele era Hector, sempre tão gentil e tão imparcial. Comecei a me sentir culpada por despejar tudo nele. Respirei fundo tentando apaziguar minha fúria.
- Desculpe. É só que ela me tirou do sério dessa vez.
- Por que não me conta tudo hoje, ao final do dia? Levo Olena em casa e depois volto para te buscar. Assim teremos privacidade.
Concordei.
É claro que não consegui fazer mais nada durante o intervalo, remoendo aquele encontro desagradável com a minha melhor amiga. Comi metade de uma maçã e não limpei nada, permanecendo sentada em um banco ali mesmo no pátio externo.
Quando retornei à oficina de costura, todos as mesas já estavam ocupadas, exceto pela de Inês. Fui para o meu lugar e comecei a remendar a borda de um chapéu preto, masculino. Distraí-me por um minuto, procurando no caderno de croquis a qual figurino ele pertencia. Encontrei e, acima do desenho, estava escrito: "Richard Melbourne". O personagem de Jacob Frost.
Minha mão tremeu levemente. Jacob Frost já usara aquele chapéu. E, dentro de alguns dias, usaria de novo. Meu devaneio foi quebrado quando a porta abriu e bateu em seguida. Inês tinha voltado. Encarou-me enfezada.
Era só o que me faltava.
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Entreato
RomanceDarnella Monsen trabalhava como faxineira em um respeitado teatro de nome Tragedi. Bonita, agradável e sorridente, ela logo passa a atrair a atenção da nata da sociedade artística e aos poucos começa a galgar um caminho interessante para tentar elev...