- Darnie! Ei, Darnie, você está bonita hoje! - gritou Bob, agitando um pincel que pingava tinta azul.
- Como é bom ver você com esse avental limpo! - Harry emendou, secando o suor da testa e apontando para o avental novo e branco que eu usava por cima do uniforme.
- Ora, calem a boca. - sorrindo a contragosto, respondi às brincadeiras que meus colegas de trabalho faziam comigo.
Já trabalhava no espetacular Teatro Tragedi há quase dois anos e conhecia cada membro da equipe fixa do lugar como a palma da minha mão - de faxineiras, como eu, a diretores e atores, passando por contra-regras, roteiristas e músicos, figurinistas e cenografistas. De todos eu sabia o nome e um detalhe que fosse, mesmo que eles não notassem minha presença.
- Bob, você comeu um gato logo ali. - apontei para um pedaço do cenário onde um pequeno bloco de madeira encontrava-se sem pintura. - Isso é que dá não prestar atenção no que está fazendo! - ele soltou um assovio de cansaço e chamou Harry para ajudá-lo a resolver o problema.
Passei por ele carregando baldes, um vassoura e um rodo, dirigindo-me para o interior do teatro. Andei pelo grande corredor que cortava a estrutura do local até a área dos espectadores, lotada por poltronas estofadas de veludo vermelho, o atestado do conforto oferecido ali. Eu me sentia feliz. Apesar do trabalho pesado, eu adorava aquele lugar. Era uma atmosfera mágica frequentar um ambiente em que minhas histórias favoritas materializavam-se.
Minha tarefa naquele dia era limpar os camarins. Organizar os figurinos em araras, varrer, tirar a poeira das mesas, lustrar móveis, separar maquiagens e deixar tudo preparado para o ensaio que aconteceria mais tarde. O trabalho era extenso e pesado, por isso minha colega de trabalho Olena me ajudava sempre.
Atravessei vagarosamente o teatro, conforme eu gostava: apreciando cada detalhe dourado da cúpula, as paredes imaculadamente brancas, o imenso palco forrado em madeira, as luzes e tudo o mais que meu olhar alcançava. Subi no palco por uma escada lateral, passei por entre as cortinas abertas e me dirigi pelos corredores escuros que levavam aos camarins.
Teatro Tragedi. Logo que consegui o emprego, ainda durante a entrevista, a primeira coisa que perguntei foi o motivo de um lugar tão maravilhoso evocar a tragédia. O dono, um senhor bigodudo chamado Axel Lindberg, respondeu-me com uma voz solene:
- A tragédia é o resultado de todas as coisas que começam belas. Você vê beleza em um ato teatral, senhorita Monsen?
Depois daquele dia eu só o encontrei novamente nas estreias de peças importantes, sempre elegante, de smoking, o monóculo pendurado desajeitadamente mostrando que, apesar da seriedade aparente, ele também podia ser um pouco displicente.
Por sorte, ele era um patrão generoso. Nos dias de apresentações, ele permitia que os funcionários interessados se revezassem nas tarefas para que pudessem aproveitar também a execução da peça em primeira mão. Eu, por exemplo, preferia ficar ocupada nas estreias, pois a primeira apresentação sempre continha alguns erros e imprevistos que eram corrigidos com o tempo. No terceiro ou quarto dia de peça, eu já a considerava perfeita para minha apreciação.
Quando cheguei em uma das quatro grandes salas usadas como camarim, Olena já me esperava dobrando algumas roupas e guardando em um grande baú a um canto da sala.
- Eu odeio a minha vida - reclamou ela, espirrando em seguida por causa do pó contido nas roupas. Olena trabalhava ali para sustentar a mãe doente, mas detestava. Não queria limpar, queria ser atriz. Infelizmente não tinha talento suficiente e reconhecia isso, o que a deixava ainda mais irritada. Tinha dezoito anos, era apenas dois mais nova que eu.

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Entreato
RomansaDarnella Monsen trabalhava como faxineira em um respeitado teatro de nome Tragedi. Bonita, agradável e sorridente, ela logo passa a atrair a atenção da nata da sociedade artística e aos poucos começa a galgar um caminho interessante para tentar elev...