É claro que Hector não apareceu na porta do teatro após o expediente. Fiquei esperando por quase meia hora até entender que ele provavelmente já teria ouvido o suficiente de Olena para não querer mais saber o que eu teria a dizer. Tentei não me importar mesmo diante da aparente injustiça daquilo.
O restante da semana transcorreu normalmente. Embora Inês chegasse à oficina atrasada após o almoço praticamente todos os dias e tivesse parado de falar comigo, não tive mais transtornos durante o expediente. Limpava o Tragedi antes e depois do horário dedicado à costura, e acabei me dirigindo para lá no fim de semana também, para adiantar mais peças de figurino.
Olena teve o cuidado de se manter longe do meu caminho nesse meio tempo. Por saber exatamente onde eu me encontrava, era fácil para ela escolher outras rotas e espaços para limpar. Avistei-a de longe somente um dia, no saguão principal, quando estava chegando para o trabalho. Trocamos olhares, mas logo ela saiu esbravejando e empurrando o carrinho de limpeza com violência.
Hector, por sua vez, não conseguiu escapar de minhas vistas tão facilmente, mas parecia louco para desaparecer toda vez que eu o encontrava por acaso.
- Agora não, Darnie, eu estou com um pouco de pressa. Bob está pirando com a restauração de um sofá, preciso correr.
- Mas...
- Nos falamos depois!
Cada vez era uma desculpa diferente. Por fim, parei de abordá-lo e ele pareceu sinceramente agradecido por isso. Sendo assim, passei a caminhar sozinha para casa todos os dias também.
Mas não me sentia solitária. Me sentia... livre.
Na segunda-feira, Lana Meyrick apareceu na oficina bem cedo para inspecionar o andamento do figurino. Estava quase tudo pronto e ela, depois de muitos elogios, se mostrou satisfeita e feliz. Distribuiu mais algumas peças e pequenos serviços entre as costureiras em particular, mas, ao chegar em minha mesa, o que ela disse, com aquele ar místico tão peculiar, foi:
- Darnella, você poderia, por favor, acompanhar-me até minha sala? Gostaria de dar uma palavrinha com você.
Um gancho me puxando pelo umbigo, um elevador em queda livre, congelar cada músculo em questão de segundos. Tudo isso descrevia com precisão o que eu senti diante daquele convite. O pressentimento foi bem esquisito. Levantei-me e fui atrás dela, vacilante.
Entramos em sua sala e ela logo convidou-me a sentar. Não recusei, afinal, minhas pernas pareciam ter virado gelatina. Sentia o suor frio escorrendo em minhas costas. Eu seria mandada embora, eu tinha certeza. Teria sido Olena? Inês? As duas? Não sabia o que era pior.
Lana pigarreou.
- Darnella... primeiramente, gostaria de ressaltar a qualidade de seu trabalho. Você é muito caprichosa, preocupa-se com detalhes e executa tudo com muita precisão. Estou admirada!
Sorri, sem graça, já esperando o pior.
- Porém, temo que a oficina não seja o lugar certo pra você.
Eu sabia. Travei uma luta interna para manter a compostura e não cair em lágrimas ali mesmo. Não conseguia emitir um som sequer, além da respiração pesada que teimava em se manifestar.
- Não sou muito boa com palavras, então vou dizer exatamente o que está acontecendo. Algumas colegas de trabalho não estão satisfeitas com a sua posição na oficina. Dizem que é injusto que você tenha dois cargos, pois ainda não largou a limpeza. E também dizem que você está se aproveitando de circunstâncias para se manter ali. Suas colegas estão incomodadas e não param de me procurar para reclamar e pontuar isso.
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Entreato
RomanceDarnella Monsen trabalhava como faxineira em um respeitado teatro de nome Tragedi. Bonita, agradável e sorridente, ela logo passa a atrair a atenção da nata da sociedade artística e aos poucos começa a galgar um caminho interessante para tentar elev...