Narrado por Leal
Depois da última conversa que tive com Hélia meu coração saiu despedaçado. Vê-la tão frágil e ao mesmo tempo tão convicta nas palavras me fez querer voltar atrás na decisão de me afastar dela, mas nada fiz a respeito. Ao contrário, sustentei a ideia da impossibilidade de ficarmos juntos e simplesmente fui embora sem ao menos pedir um abraço de despedida. Eu sabia que qualquer aproximação com ela poderia me fazer fraquejar, e precisava deixá-la partir para essa tal viagem em busca de sua felicidade, assim como eu também procuraria a minha. Naquele momento eu me dei conta de que realmente estava perdendo ela, e dessa vez era para valer.
Cheguei em meu apartamento e segui direto para o quarto. Olhei atentamente cada detalhe do local que por tantas vezes foi nosso ninho de amor, e foram inevitáveis as lembranças que me invadiram. Tantas declarações, tantos beijos, tantos toques. Meu sentimento por aquela mulher era tão forte que às vezes eu tinha medo de ser sufocado. Os olhos verdes que me desvendavam, os cachos em que eu me perdia, o corpo que me fazia enlouquecer. De repente ouvi a porta ser aberta e tive que despertar daquele transe.
— Oi, meu amor! Estava na cozinha com a Tertuliana, não vi você chegar... — disse Iolanda vindo em minha direção e me pegando de surpresa.
— Oi! — tentei esboçar um sorriso, mesmo envergonhado pelos pensamentos em Hélia que acabara de ter.
— Você está com uma cara estranha, um pouco aéreo. Aconteceu alguma coisa? — ela sentou ao meu lado na cama e perguntou.
— Não, só estou um pouco cansado. — tentei desconversar e assim segui pelo resto daquele dia.
Sentia que Iolanda gostava realmente de mim, e confesso que ser disputado por ela e Hélia elevou minha autoestima, mas tive que escolher uma das duas. Ela me trazia sossego, equilíbrio. Já Hélia Pimenta, como seu sobrenome já diz, trazia um verdadeiro furacão para a minha vida, em todos os sentidos, e eu não sabia lidar muito bem com isso, talvez estivesse velho demais para grandes emoções. Mas naquele momento não importava mais, até porque eu já tinha tomado a decisão de ficar com Iolanda e me esforçaria para ser feliz ao lado dela, uma mulher de muitas virtudes.
Alguns dias se passaram, cerca de duas semanas, e eu soube por Zeca, meu filho, que Hélia viajaria naquele final de semana. Senti um aperto no peito pela notícia, porém tive que ser forte. Ela era uma artista, iria brilhar pela Europa e, como não passa despercebida, certamente encontraria alguém que a amasse como ela merece, sem nenhum impedimento. Foi aí que senti um súbito desespero. Mas que direito eu tinha de impedi-la de ter outra pessoa, se eu mesmo a troquei?
Narrado por Hélia
A primeira semana em Paris estava sendo maravilhosa. Eu comecei a desenvolver coreografias em uma escola de dança renomada, meu trabalho estava sendo reconhecido e JP tinha toda a minha gratidão por aquela oportunidade, mesmo que não pudesse dizer isso a ele.
Além disso, havia Miguel, que se mostrava muito apaixonado por mim, mas depois do beijo no elevador não havia tentado mais nada. Aquela situação me parecia um tanto estranha, especialmente pela nossa diferença de idade. Nunca passou pela minha cabeça um envolvimento com um homem tão mais jovem que eu, todavia ele era paciente e continuava tentando me conquistar a cada dia.
Em paralelo, eu não vinha me sentindo muito bem fisicamente. Sempre tentava esconder os mal-estares, mas me arrependi de não ter seguido o conselho de Fidélio e procurado um médico ainda no Brasil para fazer um check-up. Na sexta-feira amanheci com uma dor de cabeça chata e tomei um analgésico antes de ir para a escola. Eu estava me esforçando para agir normalmente, porém o remédio não parecia fazer efeito. A dor só piorava e eu já não conseguia mais me concentrar na música, muito menos nas pessoas ao meu redor. Só lembro que fui perdendo o controle do meu corpo e minha visão ficou turva.
Quando abri os olhos, estava completamente desorientada. Olhei em volta e percebi que estava em um quarto de hospital, deitada sobre uma maca. Miguel, sentado em uma poltrona no canto esquerdo, encarava o chão e mexia em seus dedos.
— Miguel? — o chamei e rapidamente ele me olhou.
— Hélia?! Finalmente você acordou. Eu estava tão preocupado. — disse vindo em minha direção — O médico falou que normalmente a consciência volta alguns minutos após o desmaio, mas faz mais de uma hora que você apagou.
Respirei fundo e disse:
— Eu não me lembro de como vim para aqui.
— Me telefonaram da escola avisando que você tinha desmaiado. — ele explicou — Corri para lá no mesmo instante e trouxe você para o hospital. O médico te examinou, mas pediu que chamasse ele assim que você acordasse. Inclusive, vou fazer isso agora mesmo. — ele falou enquanto se dirigia à porta.
Fiquei reflexiva, tentando compreender aquela situação, até que ele voltou acompanhado do médico.
— Bom dia, dona Hélia! — disse o doutor com um sotaque de Portugal — Eu sou o Dr. Santiago Castro. Chegastes aqui há pouco mais de uma hora, e já chequei teu estado, mas agora farei algumas perguntas, certo?
Eu concordei com ele e comecei a responder a vários questionamentos. Ele me escutava atentamente e anotava na prancheta cada sintoma ou informação. No fim, fez um rápido exame físico e concluiu:
— Ao que me parece, não tens nada grave. Mesmo assim, solicitarei alguns exames laboratoriais para confirmar o diagnóstico que estou a considerar. O desmaio certamente foi resultado de uma queda de pressão, mas falarei melhor sobre isso quando estiver com o resultado dos exames. Pedirei para uma enfermeira vir fazer a coleta aqui mesmo, tudo bem?
— Sim, doutor! — eu disse e ele saiu do quarto.
Em poucos minutos a enfermeira entrou, tirou um pouco de sangue e o levou para análise, dizendo que o resultado ficaria pronto em duas horas. Em seguida, Miguel falou:
— Eu pensei que você só tinha se sentido mal no avião, não imaginei que fosse desde o Brasil, muito menos que continuava assim aqui em Paris. — ele se aproximou de mim e tocou a minha mão, lembrando do que eu tinha dito ao médico.
— Eu não queria te preocupar à toa. Achei que era uma bobagem e logo iria passar. — respondi acariciando seu rosto com carinho.
— Mesmo que fosse uma bobagem, eu gostaria que tivesse me dito. Saúde é coisa séria, Hélia. — ele colocou uma mão sobre a minha livre e continuou — Eu me importo muito com você. — levou minha mão até sua boca e a beijou, me fazendo arrepiar ao sentir minha pele roçar em sua barba.
— Obrigada por estar aqui comigo!
— Eu não quero sair do seu lado nunca mais... — disse aproximando o rosto do meu, mas percebi o que ele estava prestes a fazer e delicadamente coloquei os dedos em sua boca, afastando-o.
Parece que ele caiu em si e se distanciou, tentando recuperar a sensatez. Ficamos um tempo em silêncio, acho que pelo constrangimento, mas logo tentei puxar outros assuntos e começamos a conversar agradavelmente. Nesse tempo também liguei para Zeca e avisei que tinha sido apenas um susto, pois ele estava preocupado desde que foi avisado por Miguel sobre o ocorrido.
Duas horas e meia se passaram. A enfermeira entrou no quarto e avisou que o resultado estava pronto, só esperaria o médico terminar outra consulta para vir falar comigo. Momentos depois ele chegou e começou a analisar o exame.
— Exatamente o que eu imaginei. — disse ele com uma feição enigmática — Após os 45 anos, é muito raro que ocorra de forma natural, além de implicar em inúmeros riscos. Mas não quero que fiques assustada. — falou vendo minha expressão de espanto, mesmo sem saber do que se tratava ainda — Serás muito bem assistida, e nossa equipe fará o possível para que esse feto se desenvolva bem até o final da gestação.
Bastaram essas palavras para eu entrar em choque.
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Em nome do amor
FanfictionHélia e Leal se apaixonaram na juventude, mas as circunstâncias não permitiram que eles levassem a relação adiante. Todavia, o amor que já não cabia mais em apenas dois seres acabou transbordando. A entrega de uma única noite frutificou, porém esse...