Presa em um abraço

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"Eu sei que não sou nada e que talvez nunca tenha tudo.

Á parte disso, eu tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(Fernando Pessoa)

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Rio de Janeiro- Abril de 2021

POV-Rosamaria

Eu olhava para a multidão de carros a minha frente e meu coração batia acelerado. Esse seria a meu 4º atraso em um treino em menos de uma semana. Desisto de esperar o motorista do Uber se livrar do transito, peço para ele parar e começo a correr em direção ao centro de treinamento de Saquarema. Depois de correr por cerca de 25 minutos eu finalmente cheguei ao centro de treinamento.

- Atrasada de novo Rosa?

- O treino começou faz tempo Joaquim?

- Elas já terminaram a parte tática e academia. Nem vai adiantar você entrar.

Faço um sinal negativo e avisto Paulo sentado com sua prancheta de anotações.

- Olha quem resolveu dar o ar da graça!

A cara do meu treinador não era nada boa. A decepção em seu olhar fazia eu me sentir a pior pessoa do mundo. Paulo Coco havia apostado muito em mim ao me convocar para a seleção feminina sub 23.

- Paulo eu...

- Vem Rosa, vamos dar uma volta.

Deixei minha bolsa na arquibancada e segui ao lado dele em silêncio. Paramos e nos sentamos na grama no jardim.

- Rosa você faz ideia do quanto de meninas de 22 anos que gostariam de estar no seu lugar?

Eu o encarei e afirmei com a cabeça.

- O que está acontecendo? E por favor, me fale a verdade.

Eu respirei fundo. Me abrir sobre minha vida pessoal, principalmente sobre os meus problemas não era meu forte, mas dessa vez eu não teria como fugir.

- Paulo eu nunca vou ser capaz de te agradecer o suficiente por essa oportunidade, você sabe disso. Eu me sinto imensamente envergonhada por tudo que vem acontecendo.

Ele fez sinal para eu prosseguir.

- Eu já te contei sobre o meu tio, certo?

- O que pagou a sua faculdade e que manteve a sua família depois que o seu pai foi embora?

- Esse mesmo.

- Sim, eu me lembro.

- Acontece que ele foi diagnosticado com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica)

- Meu Deus Rosa.

- É, eu sei.

A cara de choque dele fez meus olhos se encherem de lágrimas, mas eu me segurei.

- E depois disso eu venho pagando o tratamento dele, e você pode imaginar o quanto é caro. Fora isso tem meus avós que já são de idade, minha irmã que começou a faculdade a pouco tempo. Só eu e minha mãe trabalhamos, mas ela ganha pouco como professora no colégio da prefeitura. Após o diagnóstico a esposa dele sacou todo o dinheiro da conta conjunta deles e sumiu no mundo.

- Isso é muita responsabilidade para uma menina da sua idade Rosa.

- Eu não tenho muita saída Paulo. Quando eu ganhei bolsa para estudar nos Estados Unidos ele fez tudo por mim. Manteve minha mãe e irmã, manteve meus avós. A grande questão é que infelizmente o que eu ganho com o vôlei não é o suficiente, você sabe, jogadora de base num projeto como o Curitiba. Então desde que eu o internei na clínica eu venho trabalhando com eventos e como tutora de iniciação cientifica na universidade federal do Paraná. Na universidade eu até consigo ajustar meus horários, mas com os eventos não, muitas vezes eu acabo virando a madrugada.

O amor pode estar dentro de quadraOnde histórias criam vida. Descubra agora