PRÓLOGO

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1º de Abril de 2019

Adam achava que seria mais fácil lidar com os seus pesadelos se eles não fossem tão repetitivos. Ele queria que pelo menos um momento fosse diferente, ou que o tempo do seu sonho fosse um pouco mais longo, ou talvez mais curto. Embora ele soubesse porquê eram sempre iguais, esse era um fato que ele preferiria esquecer. Não eram apenas sonhos ruins, e sim lembranças. Memórias são imutáveis. Pouco importa o tempo em que elas se passaram, um, dois, dez, ou vinte anos. Sempre seriam iguais. Não que ele repudiasse lembranças, isso fazia parte de quem ele era, mas a certeza de que tudo que ocorria em seus sonhos um dia fora realidade perfurava seu âmago. Ele quase podia sentir o que estava vendo. Suas órbitas quase saltando para fora com a cena que vira, o ângulo baixo o fazendo se recordar de sua pouca idade na época, o grito sufocado em sua garganta o fazendo engasgar tanto quanto o medo fazia. Seu pai trajando vestes sujas, rasgadas — antigas. O esqueleto dele estirado na madeira velha, trazendo uma sensação de miséria e perda.

Porém, havia algo diferente nesta manhã. Um estalido gerado por sua mesa chegou em seus ouvidos. Talvez o ruído não fosse tão alto se não houvesse tanto silêncio naquele casebre. Adam arregalou os olhos, que mesmo captando uma visão turva por conta do sono, capturaram à imagem de alguém correndo pelo passadiço. Ele não enxergava direito, estava tudo embaçado, quase como um borrão em sua mente. Mas Adam já estava acostumado em identificar pessoas. Ele com certeza saberia quem era aquele ser.

A cena veio em sua cabeça, e agora ele enxergava com clareza. O borrão se transformou em água cristalina. Quem invadiu a sua casa tinha a aparência de uma garota negra, de cabelos crespos e soltos, ônix na raiz e embranquecidos nas pontas. Mas o que mais lhe chamou a atenção foi a roupa que a menina estava usando. Ele reconheceria esse uniforme em qualquer lugar, não importava a escuridão ou a claridade do ambiente. Ela usava um uniforme de Hogwarts. A capa preta cobrindo a sua pele, deixando com que a gravata azulada fosse um dos únicos pontos colorido em suas roupas, e o pior de tudo: ela não era o único objeto que estava ao redor de seu pescoço. Parecia que a garota estava usando um colar.

"Não, não pode ser...", pensou. Adam correu como nunca correra na vida. Embora a superfície de sua casa fosse simples, havia um mundo inteiro em baixo dela. Ele desceu por todas às escadas, entrou em todos os túneis subterrâneos, destrancou todas às portas e finalmente se deparou com uma pequena porta. Seu brilho dourado era tão forte que foi capaz de iluminar todo o ambiente, embora o mesmo estivesse completamente escondido da luz solar. Adam passou a mão nos detalhes desenhados na portinhola, o dragão com certeza era o que mais chamava à atenção, e depois a abriu. Demorou para fazer a senha, suas mãos tremiam tanto que ele mal conseguia apertar nos pequenos símbolos talhados no cofre. "Preciso ajudar Jove, mas sou inútil sem aquilo...", era a única coisa que passava em seus pensamentos. Quando o cofre finalmente se abriu, o que ele mais temia se confirmou: o objeto não estava lá. A garota o roubou. Furtou o item que ele passou quase a vida inteira escondendo. Mas ele não podia ficar parado e esperando. Precisava agir. Sabia onde a garota estudava, e sabia onde ficava Hogwarts...

O meio mais rápido de chegar lá era voando. Ele certamente não queria atenção indesejada, mas precisava chegar naquele local em um curto período de tempo. Levou apenas algumas horas de voo para que ele chegasse na sua antiga escola, no seu antigo lar. Agora ele não estava mais pensando em suas memórias, ou sequer sonhando com elas. Estavam ali, em carne viva. Aumentando uma chama que estava sendo reprimida a muito tempo, aquecendo ou queimando cada membro do corpo de Adam, se alastrando por ele como se tivesse vontade própria, liberdade, vida.

Infelizmente, foi um péssimo dia para revisitar o passado. Hogwarts sempre foi caótica da sua própria maneira, mas naquele dia ela estava um verdadeiro pandemônio. Alunos gritando por toda parte, sejam de alegria ou de pavor. Talvez a maioria realmente fosse de felicidade, mas Adam simplesmente não conseguia entender como encontravam alegria em meio a tanta desordem. Ele não podia ser visto, mas por sorte ele sabia exatamente em que lugar deveria se esconder. Adam sempre achou uma tolice que nenhum dos alunos nunca tenha encontrado outras passagens secretas em Hogwarts. Existiam locais na escola tão misteriosos quanto às lendas que rondavam pela comunidade bruxa. Felizmente, ele havia encontrado pelo menos uma de todas às outras passagens que ainda não foram descobertas. À sensação de que havia mais para ser descoberto naquele lugar era quase instintiva. Ele não podia provar nada de forma concreta, mas ele tinha certeza de que era verdade. Havia outros lugares escondidos em Hogwarts.

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