Desabafos de uma vida!

Magusto (Poema)

Num fio de voz
Rompo a bruma e sento-me em cima do musgo
Sou apenas alma e nada procuro entender
Brinco com tremoços por curtir como antigamente.
Tirei-os do bolso do avental que a minha mãe me fez, com folhos por todo o lado.
Ela gostava de folhos e de fitas.
Fitas muito longas com que me enfeitava o cabelo depois de me ter feito um rabo-de -cavalo.
Glória a todas as mãos que nos penteiam e enfeitam o cabelo.
E nos contam histórias que falam de árvores e de bruma.
Um dia a minha mãe contou-me que da bruma surgiu um peixe.
"Que estranho!" Disse-lhe eu.
E ela respondeu-me que esse peixe tinha sobrado aquando da multiplicação dos pães e dos peixes.
Que esse peixe só vivia na bruma e que já tinha corrido as brumas do mundo inteiro.
Estivera em Avalon e ajudara as mulheres sábias a encontrarem o Santo Graal.
É por isso que para mim todas as florestas constituem um passaporte
Para chegar até Deus.
E eu quis saber mais coisas sobre esse peixe.
A minha mãe disse-me então que tinha escamas dourada sobre um corpo verde e amarelo.
Que tinha opérculos rosados e que lhe tinha pedido umas gotas de orvalho.
Foi então que a minha mãe apanhou um montão de ervas esguias e perladas de gotas de orvalho.
E entregou-as ao peixe que ondulou nas ervas como se fossem mar.
E quis compensar a minha mãe pela sua bondade
Então disse-lhe:" Olha por entre a maior gota de orvalho que encontres aqui."
A minha mãe olhou e viu-o céu.
Foi por isso que quando a minha mãe morreu, no dia 31 de Março, caíram em cima das plantas de todos os jardins e também sobre ela, milhares de gotas de orvalho que depois se transformaram em pérolas.
O hospital todo correu para junto dela, doentes, médicos e enfermeiras.
Todos queriam apanhar uma daquelas pérolas que se desfazia mal a tocassem.
Mas a macieza e o perfume que nos ficava nas mãos nunca antes tinham sido sentidos.
A minha mãe lá está e o meu pai também porque aprendeu com ela a linguagem das brumas.
Tudo a partir de uma história que ela me contou, a história do peixe e das gotas de orvalho.